PARAQUEDISTA, CONHECES A TUA HISTÓRIA? (III) TRADIÇÕES E PATRIMÓNIO HISTÓRICO DAS UNIDADES PARAQUEDISTAS
Este antetítulo identifica uma nova série de pequenos artigos sobre aspectos relativos às Tropas Paraquedistas Portuguesas, alguns ainda não completamente investigados, outros concluídos. Pretendo assim continuar a ajudar a divulgar entre as novas gerações de boinas verdes portugueses a nossa história comum, com base em fontes iconográficas, documentais e orais a que vou tendo acesso. Sem intenção de ordem cronológica ou importância na sua apresentação.
Comentários são bem-vindos: paraconhecesatuahistoria@gmail.com
Paraquedista, conheces a tua história? (III)
TRADIÇÕES E PATRIMÓNIO HISTÓRICO DAS UNIDADES PARAQUEDISTAS
A história de uma unidade militar é o resultado das suas realizações ao longo do tempo, daqueles eventos considerados relevantes por quem os descreve, operações e condecorações estão entre os mais importantes, acrescidos quase e sempre pela síntese histórica das unidades que a antecederam. Excepto naturalmente para aquelas que são totalmente novas, como foi o caso do Batalhão de Caçadores Paraquedistas (BCP) em 1955.
Nascimento
de uma nova unidade
O
BCP foi oficialmente criado pelo Decreto-Lei n.º 40 394 de 23 de Novembro
de 1955, sem qualquer unidade antecessora, sendo a primeira da sua
especialidade, mas a sua curta história entre 1955 e 1961, está na génese de um
conjunto alargado de unidades paraquedistas até ao actual Regimento de
Paraquedistas. Quer na Força Aérea quer no Exército, como veremos, foi definido
e vertido em legislação quais as unidades herdeiras das tradições e do
património histórico das que foram sendo extintas ou renomeadas.
Trago
este assunto a esta série do “PARAQUEDISTA, CONHECES A TUA HISTÓRIA?” porque de
quando em quando assiste-se a interpretações incorrectas da realidade histórica
no que se reporta às unidades paraquedistas. Seja entendido, no entanto, que do
ponto de vista afectivo não há dúvida que todos os boinas verdes portugueses,
formados ao longo dos anos em Tancos, são herdeiros do legado dos pioneiros que
fundaram o Batalhão de Caçadores Paraquedistas, estejam eles em que unidade
estiverem!
Agora
em relação às unidades, está definido em legislação publicada ao longo dos anos
como esta herança se processou até à actualidade.
Força
Aérea
Criado
em 1955 o Batalhão de Caçadores Paraquedistas foi substituído em 1961 pelo
Regimento de Caçadores Paraquedistas (RCP), através da Portaria n.º 18 462
de 5 de Maio de 1961. No mesmo local, com
a mesma missão principal, com uma organização diferente e efectivos
substancialmente superiores. Foi um “crescimento” natural pela necessidade de
aumentar exponencialmente os efectivos formados e treinados na “Casa-Mãe” das
Tropas Paraquedistas face ao empenhamento na Guerra do Ultramar. No Ultramar
seguiu-se a criação dos Batalhões de Caçadores Paraquedistas que recebiam os
caçadores paraquedistas formados no RCP de Tancos: BCP 21 (Luanda-Angola)[1]; BCP 31 (Beira –
Moçambique); BCP 12 (Bissalanca-Guiné Portuguesa) e BCP 32 (Nacala –
Moçambique).
Em
termos de herança histórica, talvez pela evidência dos factos – a unidade no
mesmo local, a mesma missão primária, a mesma heráldica – a legislação que cria
o RCP não se refere ao facto de ser este regimento herdeiro das tradições e do
património histórico do BCP.
Terminada
a guerra em 1974 e 1975 os BCP’s ultramarinos foram sendo desactivados, depois legalmente extintos e o seu
pessoal regressou ao RCP, que foi extinto em 1975 pelo Decreto-Lei n.º 350/75
de 5 de Julho e deu lugar à Base Escola de Tropas Paraquedistas (BETP). Esta unidade
estava agora integrada num comando superior também ele paraquedista – o que não
acontecia com o RCP que dependia da Direcção do Serviço de Recrutamento e
Instrução da Força Aérea – o Corpo de Tropas Paraquedista (CTP). O CTP tinha uma organização inicial que não
foi completamente activada, mas em 1978 ficou estabelecida do seguinte modo:
Comando do Corpo de Tropas Paraquedistas (Lisboa), Base Escola de Tropas
Paraquedistas (Tancos), Base Operacional de Tropas Paraquedistas n.º 1 (Monsanto-Lisboa)
e Base Operacional de Tropas Paraquedistas n.º 2 (São Jacinto – Aveiro).
Muitos
dos quadros e praças que serviram inicialmente nestas unidades tinham vindo dos
BCP’s ultramarinos e de tempos a tempos havia a tendência para referir que esta
ou aquela unidade era a herdeira deste ou daquele BCP. No mesmo sentido como a
BOTP 1 adoptou o lema do extinto BCP 21 – Gente Ousada Mais Que Quantas – e a
BOTP 2 o do BCP 32 – Famosa Gente à Guerra Usada – também muitos afirmavam ser
essas as suas “heranças”.
No
entanto a realidade é que o Decreto-Lei n.º 17/78 de 19 de Janeiro
determinou que «…o Corpo de Tropas Paraquedistas fosse o herdeiro das
tradições e do património histórico dos extintos Regimento de Caçadores Paraquedistas
e Batalhões de Caçadores Paraquedistas 12, 21, 31 e 32…». Ou seja, as novas
unidades, BETP, BOTP 1 e BOTP 2, iniciavam a sua história na data da sua
criação e foi o CTP o herdeiro de todo o património histórico anterior. Nesse
sentido o Estandarte Nacional do CTP passou a ostentar as condecorações que os
BCP 21, 12 e 31 tinham conquistado na Guerra do Ultramar e depois, as que o
próprio CTP recebeu até ao dia da sua extinção em 30DEZ1993. A lei assim o
determinava e assim foi cumprido.
Exército
Extinto
em 1993 o CTP na Força Aérea – e no
Exército o Regimento de Comandos – foi activado o Comando das Tropas
Aerotransportadas e a Brigada Aerotransportada Independente em 1 de Janeiro de 1994. Os efectivos dos comandos que frequentaram o curso de paraquedismo militar a Tancos e bem assim outros militares de diferentes Armas e Serviços do Exército integraram o CTAT/BAI. O Decreto-Lei n.º 27/94
de 5 de Fevereiro que extingue o Corpo de Tropas Paraquedistas e procede à
activação do Comando de Tropas Aerotransportadas e da Brigada Aerotransportada
Independente, determina no seu Art.º 2.º , n.º 4 «…O Comando das Tropas
Aerotransportadas é depositário das tradições e património histórico dos
extintos Corpo de Tropas Paraquedistas e Regimento de Comandos….».
Embora esta legislação o tenha determinado a realidade é que o Estandarte Nacional do CTAT apenas recebeu as condecorações do CTP – ou seja, as do próprio CTP e as dos BCP’s 21, 12 e 31. As do Regimento de Comandos nunca foram transferidas para Tancos e acabaram 8 anos depois por ser recebidas pelo Estandarte Nacional da unidade de Comandos que foi reactivada em 2002 e hoje estão no do Regimento de Comandos. A história das duas forças manteve-se separada, o projecto dos “Aerotransportados” (desde 1999 que a designação foi abandonada e regressou a “Paraquedistas”) era uma união contra-natura, não resultou.
Em
2006 nova alteração organizacional no Exército extingue o CTAT (e a Brigada
Aerotransportada) e cria uma Brigada de Reação Rápida, na qual outras unidades
que não as paraquedistas foram integradas, sendo ainda o seu comando atribuído
a um oficial general que pode ou não ser especializado em paraquedismo militar.
Assim,
decorrente desta nova situação, em 2008 o Chefe do Estado-Maior do Exército
através do seu despacho n.º 209 desse ano, determina que «…seja instituída a
Escola de Tropas Paraquedistas (ETP) como herdeira das tradições militares e do
património do extinto CTP, de que era depositário o igualmente extinto CTAT…».
Ou seja, a intenção foi concentrar na “Casa-Mãe” o património histórico das
Tropas Paraquedistas vindo da Força Aérea.
O
Regimento de Paraquedistas (RParas), unidade que sucedeu à ETP, é assim hoje a
unidade herdeira das seguintes unidades: Escola de Tropas Paraquedistas, Escola
de Tropas Aerotransportadas, Corpo de Tropas Paraquedistas, Base Escola de
Tropas Paraquedistas, Base Operacional de Tropas Paraquedistas n.º 1, Base
Operacional de Tropas Paraquedistas n.º 2, Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º
21, Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 31, Batalhão de Caçadores
Paraquedistas n.º 12, Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 32, Regimento de
Caçadores Paraquedistas e Batalhão de Caçadores Paraquedistas. Por este motivo
todas as condecorações com que estas unidades foram agraciadas (e nem todas
foram) estão hoje colocadas no Estandarte Nacional do RParas.
Face à legislação publicada ficou no entanto fora “desta linha hereditária” o património histórico de unidades comandadas e compostas maioritariamente por militares paraquedistas, nomeadamente:
- A condecoração atribuída à Brigada Aerotransportada Independente em 1997 devido aos louvores que o 2.º e 3.º Batalhões de Infantaria Aerotransportada receberam fruto da missão IFOR/Bósnia 1996, a qual permaneceu na BrigRR e está hoje no respectivo Estandarte Nacional, tendo sido mesmo aumentada às Armas (heráldica) da unidade;
- As condecorações atribuídas aos 2.º e 1.º Batalhões de Infantaria Paraquedista, pela sua actuação na International Security Assistance Force /Afeganistão, em 2006/7 e 2007/8, respectivamente. Estas condecorações estão actualmente nos Estandartes Nacionais destes batalhões, aquartelados nos Regimento de Infantaria n.º 10 e Regimento de Infantaria n.º 15, respectivamente.
Uma nota ainda para “São Jacinto Militar” onde actualmente está o Regimento de Infantaria n.º 10, uma unidade do Exército nascido em 1806 e aquartelado sucessivamente em várias localizações pelo país cuja designação em 2006 o ramo decidiu atribuir à então Área Militar de São Jacinto do CTAT. Trata-se de um caso singular no panorama militar português porque na Península de São Jacinto já estiveram unidades dos três ramos das Forças Armadas e, independentemente da legislação publicada, as sucessivas unidades têm assumido como seu este património histórico com mais de um século – agora também do referido RI 10. Há mesmo um pequeno “museu” – o Espaço Memória – e um Monumento, junto à Porta-de-Armas que materializam este interessante percurso, o qual não tendo em várias fases uma base legal, nem me parece que pudesse ter por se tratar de diferentes ramos das Forças Armadas, está emocionalmente implantado em São Jacinto.
Conclusão
A
unidade herdeira das tradições e do património histórico das Tropas
Paraquedistas entre 1955 e 1993 está definida em legislação própria, é o Regimento
de Paraquedistas.
No
período do CTAT/BAI (1994-2006) o RParas apenas mantém esse património no que
respeita à ETAT e ETP, uma vez que a BrigRR assumiu o da BAI, leia-se, a
condecoração atribuída em 1997 devido aos louvores do 2.º e 3.º BIAT /Bósnia
1996.
A
partir de 2006, tendo deixado de existir uma grande-unidade exclusivamente
paraquedista, as condecorações atribuídas aos 2.º e 1.º BIParas mantêm-se
nestes batalhões, enquanto outras unidades não-paraquedistas da brigada que
foram agraciadas – CTOE, RCmdos, por exemplo – concentram as condecorações no Estandarte
Nacional do escalão Regimento.
Os
factos foram o que foram estão aqui descritos, opções desses tempos, mas ainda
assim julgo pertinente fazer notar que:
-
No Ultramar as unidades paraquedistas condecoradas foram de escalão batalhão, imagine-se
que a opção então tivesse sido, como em outras forças, condecorar as companhias
que se distinguiram durante uma única comissão? Deste período, hoje, o guião do
RParas não teria 3 condecorações mas certamente dezenas;
-
Em 1997 os 2.º e 3.º BIAT distinguiram-se na Bósnia Herzegovina, foram louvados
mas esses louvores foram usados para condecorar a Brigada e não os próprios
batalhões, ao contrário do que sucedeu em 2006.
Olhando para o futuro, mesmo que ninguém seja capaz de o prever, haveria que considerar em caso de extinção da BrigRR a atribuição do seu “património paraquedista” ao RParas, leia-se a condecoração atribuída em 1997; do mesmo modo se o 1.º e/ou o 2.º BIPara forem extintos as suas tradições e património histórico deverão rumar à “Casa-Mãe” das Tropas Paraquedistas, onde todos os boina verdes de Portugal são formados.
Miguel
Silva Machado, 28FEV2024
Bibliografia,
fontes documentais e iconográficas
CARMO,
António Sucena do, ARMAS DA BRIGADA DE REAÇÃO RÁPIDA, 04OUT2016
https://www.operacional.pt/armas-da-brigada-de-reacao-rapida/
CARMO,
António Sucena do, ARMAS DO REGIMENTO DE PARAQUEDISTAS, 20MAI2018
https://www.operacional.pt/armas-do-regimento-de-paraquedistas/
MACHADO,
Miguel Silva e CARMO, António Sucena do, TROPAS PÁRA-QUEDISTAS PORTUGUESAS,
1956-1991, 35.º Aniversário, 1.ª Edição 1991. Edição da revista “Boina Verde”.
Corpo de Tropas Pára-quedistas, Lisboa, 1991
MACHADO, Miguel Silva e CARMO, António
Sucena do, TROPAS PÁRA-QUEDISTAS, A HISTÓRIA DOS BOINAS VERDES PORTUGUESES,
1955-2003, Prefácio Edição de Livros e Revistas Lda., Lisboa, 2003
MACHADO,
Miguel Silva, ESPAÇO MEMÓRIA, EM SÃO JACINTO, 15ABR2012
https://www.operacional.pt/espaco-memoria-em-sao-jacinto/
Arquivo
Alfredo Serrano Rosa
Arquivo
Miguel Silva Machado & António Sucena do Carmo
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