PARAQUEDISTA, CONHECES A TUA HISTÓRIA? (X) MUSEU DAS TROPAS PARAQUEDISTAS

 

Vista parcial da Museu na actualidade

Nota prévia: Paraquedista, conheces a tua história?

Este antetítulo identifica uma nova série de pequenos artigos sobre aspectos relativos às Tropas Paraquedistas Portuguesas, alguns ainda não completamente investigados, outros concluídos. Pretendo assim continuar a ajudar a divulgar entre as novas gerações de boinas verdes portugueses a nossa história comum, com base em fontes iconográficas, documentais e orais a que vou tendo acesso. Sem intenção de ordem cronológica ou importância na sua apresentação.

Comentários são bem-vindos: paraconhecesatuahistoria@gmail.com

PARAQUEDISTA, CONHECES A TUA HISTÓRIA? (X) MUSEU DAS TROPAS PARAQUEDISTAS

A 23 de Maio de 2024, em Tancos no Regimento de Paraquedistas, foi dado o primeiro passo formal para a criação do Centro Interativo das Tropas Paraquedistas. Foi assinado[1] um Protocolo de Colaboração entre o Exército Português, a Câmara Municipal de Vila Nova da Barquinha, o Pára-Clube Nacional “Os Boinas Verdes” e a União Portuguesa de Paraquedistas, com vista à preservação, valorização e divulgação do património das Tropas Paraquedistas. Saudamos este importante capítulo naquilo que poderemos designar como a História dos Museus das Tropas Paraquedistas Portuguesas em Tancos, assunto que hoje abordarei.

Todos os que conhecem o nosso Museu[2] sabem que tem dignidade e simbolismo, mas há muitos anos necessita ser renovado e ver aumentada a sua área de exposição, interior e mesmo exterior. A história não pára e não só novas técnicas expositivas e materiais para esse fim vão sendo introduzidos neste tipo de equipamentos como, apenas um exemplo entre vários, os 30 anos de missões de paz ainda não estão contemplados. Vários comandantes nos últimos anos o tentaram, mas por este ou aquele motivo e sobretudo pela ausência de recursos financeiros nada de substancial foi possível concretizar. Surgiu agora a possibilidade de avançar com um projecto novo, de grande alcance, a localizar no antigo edifício do Centro de Recrutamento e Inspecção do Corpo de Tropas Paraquedista, com acesso directo à via pública e financiado por fundos comunitários. Trata-se do acima referido Centro Interativo das Tropas Paraquedistas.

Parece ser assim boa altura para lembrar como aqui se chegou, como nasceu e se desenvolveu o nosso Museu, a “montra” onde o passado é mostrado a quem nos visita e onde também lembramos, desde os anos 70, os nossos mortos em combate. Se no Monumento aos Mortos em Combate, junto à Porta de Armas da unidade, desde 1968 essa homenagem é ao seu conjunto, no Museu, quer na sua versão inicial quer depois até com maior simbolismo, são lembrados um a um, com nomes e fotografias. E nada disto foi fácil. Inicialmente por exemplo houve dificuldade em conseguir fotografias de todos os mortos, processo que demorou anos e contou com a boa-vontade de muitos.

Este pequeno texto que agora apresento certamente pode ser melhorado, mas parece-me oportuno para que não se esqueça como aqui se chegou. O museu também já tem história, quase 50 anos, para a qual muitos paraquedistas generosamente contribuíram. Da minha parte é uma sentida homenagem a todos os que, bem cedo logo após o fim da Guerra do Ultramar e da Descolonização em África e Timor, quando em muitos outros lados este período era “apagado”, ali em Tancos, foi preservado. Sem o trabalho inicial, ainda nos anos 70, e depois nos finais dos anos 80 a reedificação do antigo museu, hoje tudo o que se pudesse fazer seria mais difícil e mais pobre. Em ambas as ocasiões, à luz do que em cada altura foi possível e se sabia fazer, houve trabalho de preservação e concentração de material de guerra, equipamentos aeroterrestres e outros, fotografias, fardamentos, insígnias e vários outros materiais, hoje indispensáveis para contar a nossa história.

Anos 70

Logo após o regresso dos últimos militares dos territórios ultramarinos onde até 1974 e 1975 as unidades de caçadores paraquedistas tinham sido empenhadas, surgiu a ideia de um “museu”,  um local onde se pudesse mostrar o espólio das unidades extintas. Sendo comandante da BETP o então Coronel Paraquedista Heitor Hamilton Almendra[3], o seu 2.º Comandante, Tenente-Coronel Paraquedista Manuel Claudino Martins Veríssimo[4] lançou a ideia e meteu mãos à obra. Havia na BETP um acervo de material diverso de interesse histórico que foi ficando desde os tempos do Batalhão de Caçadores Paraquedistas, mas acima de tudo um enorme conjunto de armamento capturado pelos Batalhões de Caçadores Paraquedistas no decurso da Guerra do Ultramar (Angola, Moçambique e Guiné) e essa seria desde logo a principal atração do museu. Outros elementos se juntaram como guiões e estandartes nacionais dessas unidades ultramarinas, peças de fardamento e equipamento, emissores receptores, e vários outros objectos. Por essa altura estavam em curso obras de monta na “Casa-Mãe”, melhoravam-se as condições de habitabilidade e ocupação dos tempos livres dos paraquedistas. Assim, uma das obras mais relevantes, o Clube de Praças, projeto da Arquitecta Teresa Almendra, já foi construído com uma sala destinada ao Museu! O grande mentor deste primeiro museu foi na realidade o 2.º comandante da unidade que inclusive, recorda agora o filho Miguel Veríssimo. «…o meu pai ofereceu um grande lote de armamento da sua colecção pessoal e até recordo o seu entusiasmo no assunto porque punha-nos, aos filhos, nos nossos tempos livres, a elaborar legendas para artigos que iam ser expostos … ...tenho ideia que isto se terá passado em 1976 ou talvez já em 1977 e até recordo um pequena cerimónia de inauguração na unidade…».





Não havendo na altura qualquer boletim informativo na BETP a realidade é que não se descobriu até agora registo deste evento. O certo é que o museu foi instalado no 1.º andar do Clube de Praças e rapidamente se tornou um ponto atração da unidade. Na investigação feita apurou-se que o então Major SG/Paraquedista Luís António Martinho Grão, um dos primeiros paraquedistas que se dedicou a investigar a nossa história, colaborou neste projecto do 2.º Cmdt, com os seus conhecimentos sobre o que então se sabia sobre a criação das tropas paraquedistas em Portugal e a sua história recente.

Deste primeiro período do museu temos uma boa de informação sobre o aspecto geral do museu, as fotos que o então Primeiro-Sargento Paraquedista Alfredo Serrano Rosa captou durante algumas visitas.

Anos 90

O Museu transformou-se assim numa “sala de visitas” da unidade, ponto de passagem obrigatório para todos os que visitavam a BETP. Das altas entidades nacionais e estrangeiras aos paraquedistas ou seus convidados que queriam recordar ou conhecer os tempos de Espanha e de África, todos ali passavam. No entanto também começava a ser evidente, em pouco mais de uma década, que apesar do valor do acervo museológico – especialmente rico em material de guerra capturado ao inimigo em África e simbólico com os nomes e fotografias dos nossos mortos em combate – no fundo estávamos perante uma sala onde se encontravam de algum modo arrumadas peças. Tendo em conta o se ia vendo em museus militares por esses anos 80, alguma coisa tinha de ser melhorada.

A ocasião surgiu em 1989/90 quando o Comando da Unidade querendo de facto mudar alguma coisa no museu, soube que tinham na unidade um Alferes Miliciano Paraquedista, arquitecto. Dou a palavra ao ALFM/PARAQ Arlindo Serrão (Curso de Paraquedismo n.º144, Abril de 1989):

«…o 2.º comandante da BETP chamou-me ao seu gabinete e pediu-me para dedicar o tempo de serviço que restava no CTP ao desenvolvimento de alguns projectos relacionados com as infraestruturas… …e tinha o ambicioso projecto de construir o “Museu das Tropas Paraquedistas”… … tive o enorme privilégio de participar em fóruns de discussão onde militares que tinham estado em serviço nas ex-colónias, transmitiram e registaram as suas memórias e partilharam as suas experiências, e a oportunidade de ao longo de vários meses assistir a inúmeras conversas com o objectivo de verter num Museu, o passado e património de uma instituição tão dedicada ao engrandecimento de Portugal em terras tão distantes da Pátria Mãe… …o tenente-coronel Grão assumia com naturalidade e autoridade, pela experiência e conhecimento que tinha, o papel de guardião da História Paraquedista. Foi responsável pela compilação de informação e determinação de conteúdos que ainda hoje constam no Museu… …o tenente-coronel Terras Marques era o mentor de todos aqueles projectos. Sempre apoiado pelo comandante, coronel Adelino Martins, o tenente-coronel Terras Marques… …foi sem qualquer sombra de dúvida o principal responsável, e promotor, das intervenções realizadas naquele período. E sem qualquer sombra de dúvida o militar a quem se deve a existência do Museu das Tropas Paraquedistas, no formato e nas condições em que foi edificado…»[5].






Na realidade o espaço no edifício do Clube de Praças a que já chamávamos museu, foi profundamente alterado e aumentado, de um modo “pensado”, cada nova área tinha o seu significado e isso era explicado ao visitante e estava disponível num desdobrável com design inovador que era distribuído, da autoria do Alferes Miliciano Paraquedista Pedro Grão. O que ali se fez não há dúvida que, naquele ano de 1990, significou um enorme salto em relação ao que havia. Foi um trabalho que marcou a unidade e quem a visitava. As várias áreas do museu receberam nomes, destacando aqui a Sala da Memória, onde se honram os mortos em combate, com um simbolismo e uma força que não conheço paralelo no nosso país. Mais uma vez dou a palavra ao Arlindo Serrão, desta vez em artigo muito completo sobre o Museu na revista Boina Verde:

«…No sentido da deslocação passamos por um hall que faz a articulação entre os dois eixos do Museu, ortogonais, denunciados pela manutenção da simetria definida pelo rompimento da parede empenada e pelo pilar onde foi colocado o Arcanjo S. Miguel, padroeiro dos paraquedistas e que guarda a entrada para a Sala da Memória… …Agora passado para esta Sala, o núcleo do Museu – a sua Razão – para onde se entra só, uma vez que outros lá não estão, depara-se com um Megalito que flutua negro no ar enquadrado por uma ténue mancha de luz e onde duas chamas ardem, em honra aos que aí são tornados eternos quando gravados os seus nomes na pedra, tal como sentinelas que obrigam a postura de respeito e contemplação. Aqui deve então reflectir-se sobre a Glória e a dignidade com que essa deve estar no presente das Tropas Paraquedistas… …Esta sala só é tocada pela luz do Sol uma vez que nela nada se cria ou transforma. É a Sala do tempo e é violá-lo pensar em adicionar-lhe o que quer que seja porque apenas está e o Tempo marca a vida e é o movimento que estrutura o Universo como o sítio se relaciona com ele. Quando este processo se encerra, porque ciclo completado, pode-se continuar para a Sala dos Batalhões onde, sem a presença da luz do Sol são apresentados no topo os Guiões e Estandartes das Sub-Unidades porque também sobre estes enquadrados pela sua Razão o Sol já se pôs a última vez.»[6]




Futuro próximo

O Centro Interativo das Tropas Paraquedistas deseja-se que seja neste século XXI – e os primeiros 25 anos estão quase passados – aquilo que o Museu foi nos anos 70 e 90, o melhor que se sabia e se conseguiu fazer!

Da apresentação realizada no passado dia 23 de maio de 2024, primeiro pelo Comandante do RParas, Coronel Paraquedista Vítor Rasteiro Fernandes – que será o responsável directo por este equipamento – e depois entrando nos detalhes pelo Sargento-Chefe Paraquedista Carlos Alves, Adjunto da Repartição de Museus da Direção de História e Cultura Militar do Exército, fica-nos a convicção que mudam-se os estilos, os suportes informativos são outros, muita coisa será diferente mas, o essencial, será o mesmo de sempre. Ajudar a preservar a nossa história, dar mais relevância aquilo que mais importância teve, destacando operações e pessoas, armamento, equipamento e heráldica, e tantos outros aspectos mostrem ao visitante o que foram as Tropas Paraquedistas Portuguesas. Nunca será nem pode ser uma exposição onde “caiba tudo”, agora, apesar desta realidade, as novas tecnologias que estão previstas ser aplicadas muito irão ajudar, estou certo, a contar mais e melhor do que até aqui foi possível.


Nos anos 70 fomos pioneiros e não tivemos complexos em mostrar a nossa história na Guerra do Ultramar – a época em que os boinas verdes em boa verdade se tornaram verdadeiros soldados de elite; Nos anos 90 demos um passo de gigante no modo como o novo espaço museológico foi concebido e interpretado, sendo também isto parte integrante do museu, aumentando exponencialmente a sua carga simbólica; agora, teremos a abertura permanente ao público um desejo de sempre nunca concretizado –  o espaço temporal aumentado até à actualidade, reforçando a capacidade de comunicar com os visitantes civis e militares pelo uso das mais recentes tecnologias e técnicas. Desejo sinceramente que a História das Tropas Paraquedistas fique mais bem preservada e melhor contada a quem visitar em Tancos o Centro Interactivo das Tropas Paraquedistas.  

 Miguel Silva Machado, 21OUT2024



[1] O protocolo foi assinado por: Fernando Freire, presidente da Câmara Municipal de Vila Nova da Barquinha, general Mendes Ferrão, Chefe do estado Maior do Exército, general Carlos Jerónimo, presidente da Direção do Pára-Clube Nacional “Os Boinas Verdes” e coronel Hilário Peixeiro, presidente da Direção da União Portuguesa de Paraquedistas.

[2] A designação oficial actual é “Coleção Visitável do Regimento de Paraquedistas”, facto que tem a ver com a classificação que o Exército atribui a estes equipamentos nas suas unidades regimentais, seguindo terminologia oficial do Estado Português.

[3] N. 1932, Major-General na situação de Reforma

[4] 1936-2022, faleceu como Coronel na situação de Reforma

[5] Depoimento de Arlindo Serrão em 19FEV2018 para o livro “Oficiais Milicianos Pára-Quedistas da Força Aérea, Volume 2 As gerações do pós-Império, 1975 a 1993”, do Tenente-Coronel José Barbosa. Outubro 2019.

[6] “Museu das Tropas Paraquedistas Portuguesas”, Aquitecto Arlindo Serrão, in Revista “Boina Verde” n.º 161 ABR/JUN 1992.

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