PARAQUEDISTA, CONHECES A TUA HISTÓRIA? (VII) O "RISCO DE SALTO"
Nota prévia: Paraquedista, conheces a tua história?
Este antetítulo identifica uma nova série de pequenos artigos sobre aspectos relativos às Tropas Paraquedistas Portuguesas, alguns ainda não completamente investigados, outros concluídos. Pretendo assim continuar a ajudar a divulgar entre as novas gerações de boinas verdes portugueses a nossa história comum, com base em fontes iconográficas, documentais e orais a que vou tendo acesso. Sem intenção de ordem cronológica ou importância na sua apresentação.
Comentários são bem-vindos: paraconhecesatuahistoria@gmail.com
PARAQUEDISTA, CONHECES A TUA HISTÓRIA? (VII) O "RISCO DE SALTO"
Na gíria paraquedista “risco de salto” refere-se à quantia em dinheiro abonada mensalmente aos paraquedistas que em cada semestre cumprem pelo menos o mínimo de saltos em paraquedas que a legislação determina (4 ou 2 consoante a idade). Não basta ter feito os 6 saltos do curso de paraquedista, conquistar a boina verde e o “brevet”, para receber o “Suplemento de Serviço Aerotransportado”. O militar tem de manter a qualificação paraquedista, isto é, saltar em paraquedas regularmente enquanto estiver ao serviço numa “unidade da especialidade paraquedista”. Esta gratificação nasceu com as Tropas Paraquedistas em 1955 e com algumas diferenças, que vou em síntese expor, mantém-se hoje.
Gratificação
de Serviço Aéreo (1955-1979)
A Gratificação de Serviço Aéreo, quantia em
dinheiro a abonar mensalmente aos militares paraquedistas, foi incluída logo na
legislação oficial que criou as Tropas Paraquedistas Portuguesas, publicando-se
no Diário do Governo as importâncias concretas. Foi aliás um dos assuntos muito
debatido na fase de estudos e as quantias e condições foram sucessivamente
alteradas pela caneta do próprio Ministro da Defesa Nacional, Fernando dos
Santos Costa, que pessoalmente intervinha nesses trabalhos. Tratava-se de um
incentivo ao voluntariado que se previa fosse escasso – e foi – dados os riscos
que se percecionavam para esta actividade. Logo o primeiro estudo conhecido
(ainda no Exército em 1952), estipulava, para oficiais e sargentos “uma
gratificação de serviço idêntica à de serviço aéreo de pilotos aviadores de
correspondente hierarquia” desde que efetuassem 8 saltos anuais. Propunha-se
ainda para os oficiais instrutores “uma gratificação de serviço idêntica aos
instrutores da Escolas Práticas” e para os sargentos monitores “uma
idêntica à que recebem os sargentos que prestam serviço nas unidades da
Guarnição de Lisboa”. Para os praças estava prevista “uma gratificação
de serviço equivalente a 50% da atribuída aos sargentos paraquedistas, desde
que a cada semestre efectuem 5 saltos.” Havia ainda previstas
penalizações/sanções para quem se recusasse a saltar, agravadas se fosse
durante operações ou alterações da ordem pública.
No decorrer dos estudos isto foi bastante
alterado e o que acabou publicado quer no Decreto-Lei 40.394 de 23 de
Novembro de 1955 que criou as Tropas Paraquedistas Portuguesas, quer no
Decreto-Lei 40.395 da mesma data, que regulou a organização, recrutamento e
serviço das Tropas Paraquedistas[1],
foram os seguintes valores:
Oficiais .......1.000$00
Sargentos........600$00
Praças............450$00
O primeiro DL refere-o no seu Artigo 4.º e o
segundo dedica mesmo vários artigos (17.º, 18.º, 19, º 21.º e 22.º) a definir
as condições de atribuição e também aquelas em que deixariam de ter direito e
ainda aspectos relacionados como as inspecções médicas anuais necessárias para
manter a qualificação paraquedista. A referida gratificação era um dos
incentivos, havia depois também um aumento de tempo de serviço de 40% e distintivos
exclusivos, o mais significativo e apreciado dos quais, a boina verde. Pela
primeira vez nas Forças Armadas Portuguesas, usava-se uma boina. Não era coisa
pouca e para manter o uso da boina – como a gratificação e o aumento do tempo
de serviço – havia que manter a qualificação, ano após ano, até deixar o
serviço activo.
Estes factos
julgo mostram bem a relevância que desde o primeiro dia se atribuiu a estas
questões.
Começa logo a ficar claro também que este valor não “pagava” apenas o risco do salto paraquedas pelo qual haveria de ficar sempre conhecido, mas também as exigências que o serviço militar naquelas tropas exigia. Seguia-se a lógica das gratificações pagas na Força Aérea, nomeadamente valores diferenciados para oficiais, sargentos e praças, a exigência da manutenção anual (mais tarde semestral) da qualificação, as inspecções médicas periódicas e a aferição das capacidades físicas, que também podiam desqualificar o militar para a actividade aérea (paraquedista).
Em Dezembro de 1959 nova legislação (Decreto lei 42792) actualiza os valores da Gratificação de Serviço Aéreo e cria um valor adicional para oficiais instrutores e sargentos monitores de paraquedismo. Recorda-se que nesses tempos estes oficiais e sargentos (instrutores e monitores de paraquedismo) eram obrigatoriamente qualificados para realizar saltos de abertura manual, sendo que este tipo de saltos, como os de abertura automática, igualmente contavam para os mínimos que garantiam a manutenção da qualificação.
Insere ainda este DL diferenciação nas praças,
entre soldados e cabos e inclui um valor para o pessoal então classificado como
“equiparado a militar” (capelães, médicos, veterinários que faziam parte do
quadro orgânico do BCP e, mais tarde, também as enfermeiras entraram nesta
classificação)
Oficiais 1.250$00 (instrutores + 500$00)
Sargentos 1.000$00 (monitores + 300$00)
Primeiros Cabos 750$00
Segundos Cabos e Soldados 500$00
Capelães, médicos e enfermeiros 1.000$0
Nos anos 60 e 70 os instrutores e monitores de paraquedismo recebiam um valor adicional à Gratificação de Serviço Aéreo |
Gratificação de Serviço Paraquedista (1979 - 1994)
Em 1979 o Decreto-Lei n.º 253-A altera a designação
para Gratificação de Serviço Paraquedista e insere, à semelhança do que se
passou com o restante pessoal navegante da Força Aérea (e os militares da
Marinha com gratificações semelhantes, isto é, cuja manutenção da qualificação
era obrigatória ao longo da carreira, como mergulhadores e submarinistas), uma nova
modalidade para definir o montante. Deixou de ser um valor fixo alterado quando
o legislador o entendesse, e passou a ser uma percentagem do vencimento base do
posto de capitão. Na realidade as inflações galopantes no pós-25 de Abril de
1974, tinham reduzido muitíssimo o valor real das gratificações que se vinha
mantendo inalterado desde 1960.
Com esta nova legislação deixaram, no entanto, de
ser pagos aos instrutores (+500$00) e monitores (+300$00) de paraquedismo, o valor
adicional atribuído na legislação de 1959.
Passaram assim a ser – até hoje – estas as
percentagens do vencimento base de capitão a abonar mensalmente:
Oficial general: 21%
Coronel: 24%
Tenente-coronel, major e capitão: 26%
Oficial subalterno e sargento: 16%
Pessoal equiparado a militar (enfermeiras,
capelães, médicos): 16%
Praça readmitida: 11%
Outras praças: 9%
Pessoal em preparação para paraquedista
Pessoal do QP ou a este destinado: 13%
Pessoal não permanente:
Oficial, aspirante a oficial e sargento: 7%
Praça: 5%
Pessoal equiparado a militar: 5%
Este Decreto-Lei N.º 253-A/79 de 27 de Julho, na
definição das actividades que davam direito à gratificação, não se referia
apenas ao risco. Mesmo que as percentagens de gratificação fossem diferentes
para cada especialidade, destinava-se no conjunto das Forças Armadas às «…actividades caracterizadas por especiais
condições de dureza, desgaste, incomodidade e risco… …gratificação de serviço aéreo, de serviço de
imersão, de serviço pára-quedista e de mergulhador e do prémio por inactivação
de engenhos explosivos…».
Em 1981 o Decreto-Lei n.º 276 reúne num único diploma legal o que ao longo dos anos se tinha legislado sobre a matéria (n.º de saltos, abonos na reforma, etc).
Desde a abertura
do 1.º convite para voluntários destinados aos Curso de Espanha em 1955 que
esta gratificação mensal era uma “arma de recrutamento”, juntamente com o
“aumento do tempo de serviço de 40%”. Recordo que desde a fundação as Tropas
Paraquedistas, eram a única unidade das Forças Armadas que apenas incorporavam
voluntários. Mesmo durante toda a Guerra do Ultramar assim foi, até pelo menos
aos anos 80. Nenhuma outra força era composta a 100% por voluntários. Os jovens
que se ofereciam para os paraquedistas sabiam que se íam juntar a uma unidade
onde eram mais bem pagos que a generalidade, o seu tempo de serviço era
valorizado, tinham distintivos e até fardamentos diferentes dos outros
militares. Tudo isto conquanto executassem regularmente os saltos em paraquedas
que lhes fossem determinados!
Criou-se assim um
efeito psicológico que não deve ser desvalorizado, ver o próprio Estado
reconhecer e valorizar a diferença.
Antes como agora, o militar realiza os saltos em paraquedas para que é nomeado na sua sub-unidade (o militar não salta quando quer, mas quando lhe é determinado!), a sua presença na área de embarque é verificada e escriturada em manifestos de embarque, juntamente com os n.ºs dos paraquedas que utiliza, antes de entrar na aeronave, e depois do salto realizado a documentação é enviada para a Secção de Registos de Saltos. Ali são elaboradas listas depois publicadas em ordem de serviço, e os saltos também inscritos em cadernetas individuais, que estão na posse da unidade até o militar se desligar do serviço activo. Só depois de verificado se os saltos que a legislação determina são executados é que o abono da gratificação é processado.
Exemplo de uma caderneta de saltos dos anos 80, ainda manuscritas - hoje estão informatizadas - mas devidamente autenticadas. |
Suplemento de Serviço Aerotransportado (1994 – 2024)
A gratificação de serviço paraquedista, em 29 de
Junho de 1994, já no Exército, passou a designar-se “Suplemento de Serviço
Aerotransportado” (DL 180/94) abonado desde que «…se verifiquem as condições actualmente estabelecidas na legislação
especial reguladora da prestação de serviço aéreo ou nas que vierem a ser
fixadas para regular o abono da gratificação de serviço pára-quedista…».
Estava em vigor o Decreto-Lei n.º 276/81 de 1 de Outubro, em síntese, cumprir 4
saltos em paraquedas (de abertura manual ou automática) a partir de aeronave em
voo por semestre para pessoal até aos 40 anos de idade e 2 acima desta idade.
De assinalar que durante os estudos tendentes a
integrar as Tropas Paraquedistas no Exército foi reconhecido que o Suplemento
de Serviço Aerotransportado devia ser aumentado. Foi mesmo proposto pelo Exército – e não teve aceitação
superior – um aumento do montante do futuro Suplemento de Serviço
Aerotransportado (entre mais 8 a 9 % consoante os postos), e ainda a criação de
uma nova “categoria” a dos «…especialistas
precursores aeroterrestres e instrutores de queda livre…», que
independentemente do posto passariam a receber valor idêntico ao máximo
atribuído a oficiais (capitão, major e tenente-coronel). Justificava-se agora,
segundo o Exército porque «…quando da
actualização das percentagens da gratificação do serviço aéreo atribuído aos
pilotos da Força Aérea…(em 1990) …esta
proposta só não teve seguimento, por falta de oportunidade, face à
transferência, já prevista, das tropas paraquedistas para o Exército…».
A designação em si, Suplemento de Serviço
Aerotransportado, deveu-se ao facto de em 1994 a palavra “paraquedista” ter
sido substituída por “aerotransportado” nova unidade. Em 1999 a designação “paraquedista”
foi recuperada mas no caso concreto do suplemento manteve-se a “aerotransportado”.
Este Decreto-Lei
n.º 180/94 de 29 de Junho, em vigor, é o documento fundamental que regula no
Exército esta actividade e trata-se na realidade de uma legislação bem feita e
completa, talvez das mais importantes que foram feitas neste processo de
transferência em que quase tudo já foi alterado com o passar dos anos e esta
mantêm-se actualizada.
Com a criação do
Comando das Tropas Aerotransportadas (CTAT) e a Brigada Aerotransportada
Independente (BAI) o Chefe do Estado-Maior do Exército autorizou que militares
das Operações Especiais “destinados a reforçar a BAI” passassem a obter esta
qualificação paraquedista em Tancos. Assim pelo despacho n.º 197/96 de 24 de
Outubro, o General Cerqueira Rocha determina que se aplique aos «…militares com a qualificação de
aerotransportados que integram o Destacamento de Operações Especiais e o
Pelotão de Longo Raio de Acção do CIOE…» o regime previsto no Decreto-Lei
n.º 180/94 de 29 de Junho, leia-se, o pagamento do Suplemento de Serviço
Aerotransportado e os aumentos de tempo de serviço. Mais tarde o Centro de
Instrução de Operações Especiais (hoje Centro de Tropas de Operações Especiais)
viu mesmo ser alargado a todos os militares da Força de Operações Especiais a
obrigatoriedade dessa qualificação, aumentando assim substancialmente o número
de qualificados.
De assinalar
ainda que este Suplemento está sujeito a impostos, e entra no cálculo da pensão de
reserva e reforma com o valor do último posto do militar, com esta limitação: «…até ao limite máximo da atribuída a
oficial general…». Ou seja, os Coronéis, Tenentes-coronéis, Majores e
Capitães, vêem nesta altura o valor que recebiam de gratificação ser reduzido
(ver percentagens acima).
Novos suplementos?
Entre 2005 e 2009
decorreram extensos estudos nas Forças Armadas sobre esta problemática da
atribuição de um suplemento remuneratório, atentas as condições de risco,
penosidade, insalubridade ou perigo a diferentes especialidades. Teve
várias versões, mas incluía um “Suplemento de Serviço de Forças Especiais”
para Paraquedistas, Comandos, Operações Especiais, Fuzileiros e Destacamento de
Acções Especiais. Tinha uma bonificação de 15% para Paraquedistas e
Destacamento de Acções Especiais, o que na altura era ridículo, significava
“a mais” 14,50€ por mês para um soldado, 28,00€ para um sargento e 46,00€ para
um oficial. No entanto, desconheço as reais razões, esta nova legislação que
esteve iminente, não avançou – haveria então um encargo anual de mais de 2
milhões de euros com este suplemento se fosse aprovado. Além da verba em si, na
altura pareceu de difícil aplicação, um suplemento remuneratório generalizado
aos militares das forças especiais sem concretizar o que deveriam fazer e com
que regularidade para manterem essa classificação de “especiais” e assim ter
direito ao suplemento.
E curioso no entanto verificar agora em 2023/4 que o muito falado “suplemento de missão de polícia judiciária” (e tudo indica vai ser alargado a outras forças de segurança e talvez aos militares das forças armadas) segue o mesmo principio que se pretendia com o suplemento de forças especiais: um incremento remuneratório atribuído a um grupo de pessoas com formação semelhante, mas sem haver para quem o recebe a obrigatoriedade de fazer determinada actividade em concreto que possa ser “medida/contabilizada” e “registada”.
1955-2024
Mantém-se assim em
vigor o Decreto-Lei n.º 180/94 de 29 de Junho. É ainda neste DL que se refere «…Enquanto
não entrar em vigor o decreto regulamentar a que se refere o n.º 2 do artigo
2.º, mantêm-se em vigor os montantes actualmente atribuídos a título de
gratificação de serviço pára-quedista previstos no Decreto-Lei n.º 253-A/79, de
27 de Julho…». O decreto regulamentar aqui previsto nunca foi publicado – já
lá vão 30 anos! – e como se poderá ver no quadro A (abaixo), os valores de SSA
que actualmente estão a ser abonados não correspondem às percentagens previstas
na legislação em vigor, o DL 253-A/79 (art.º 9.º) e o DL 180/94. A razão é que não
são actualizados, tendo sido abrangidos pelas políticas de congelamento de
retribuições na função pública, em data que não consegui apurar.
O quadro abaixo faz a comparação entre os valores das remunerações e Gratificação de Serviço Aéreo à data da fundação dos paraquedistas em 1955 e na atualidade o correspondente Suplemento de Serviço Aerotransportado. Não só actualmente os valores do SSA são mais reduzidos como, comparando com os vencimentos da altura, a componente serviço aéreo era nesses tempos de facto muito significativa. Estes valores são brutos, objecto dos mesmos descontos que a remuneração mensal.
Miguel Silva Machado, Torres Vedras, 02JUL2024
[1] Em 1955/56 o Batalhão
de Caçadores Paraquedistas dispunha de um efectivo total de apenas 200
paraquedistas: 3 capitães; 3 tenentes; 10 alferes; 2 primeiros-sargentos; 2
segundos-sargentos; 19 furriéis; 151 cabos e soldados.
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