PARAQUEDISTA, CONHECES A TUA HISTÓRIA? (VI) 23 DE MAIO DE 1956, DIA DO PARAQUEDISTA

 

Nota prévia: Paraquedista, conheces a tua história?

Este antetítulo identifica uma nova série de pequenos artigos sobre aspectos relativos às Tropas Paraquedistas Portuguesas, alguns ainda não completamente investigados, outros concluídos. Pretendo assim continuar a ajudar a divulgar entre as novas gerações de boinas verdes portugueses a nossa história comum, com base em fontes iconográficas, documentais e orais a que vou tendo acesso. Sem intenção de ordem cronológica ou importância na sua apresentação.

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PARAQUEDISTA, CONHECES A TUA HISTÓRIA? (VI)  23 DE MAIO DE 1956, DIA DO PARAQUEDISTA

O 23 de Maio é uma data sobejamente conhecida de todos os paraquedistas militares portugueses. Desde esse dia em 1956, data da inauguração em Tancos do quartel então designado Batalhão de Caçadores Pára-quedistas (BCP), que a data é assinalada como Dia da Unidade. Foi também essa data festiva designada publicamente logo em 1956 por Dia do Pára-quedista. Marcava-se assim a intensão de criar algo mais do que uma data protocolar, mas também um dia dedicado aos praças, sargentos e oficiais que tinham conquistado a boina verde. Foi uma das várias medidas que desde muito cedo apontavam para a criação de um espírito de corpo muito particular.

Como se sabe os dias festivos das unidades e mesmo dos ramos das Forças Armadas são escolhidos um pouco aleatoriamente por quem tem o poder para o fazer em cada momento histórico. Há casos em que é escolhido o dia da publicação da 1.ª Ordem de Serviço, outros o dia da publicação em Diário do Governo/República a sua criação, outros uma batalha ou facto histórico de relevo ligado ao ramo, unidade ou força militar em causa. Há ainda casos em que este dia é alterado ao longo da sua história.

O caso do BCP e a escolha do 23 de Maio tem várias particularidades, umas inéditas outras muito raras:

- A data foi decidida pelo Ministro da Defesa Nacional, Fernando dos Santos Costa que pessoalmente tinha liderado todo o processo de criação das Tropas Paraquedistas. Terá sido proposta do seu Subsecretario de Estado da Aeronáutica, Kaúlza de Arriaga (ver abaixo);

- O significado do dia escolhido está ligado aos primórdios da História de Portugal, concretamente ao reconhecimento pelo Papa do Reino de Portugal em 1179, e não a quaisquer factos ligados directamente às tropas paraquedistas, (adiante veremos as razões);

- A data não só nunca foi alterada, como é sempre comemorada no dia exacto, caso raro no panorama militar nacional em que é frequente comemorarem-se efemérides não na data exacta mas na mais conveniente por razões outras; também tem acontecido alterarem datas festivas das unidades e até dos Ramos das Forças Armadas;

- Durante muitos anos as comemorações tinham um carácter sobretudo interno, estritamente militar, de confraternização entre paraquedistas no activo e alguns poucos convidados ou visitantes. De assinalar que em tempos de Guerra do Ultramar as circunstâncias da vida nas unidades e a rotação do pessoal, condicionavam muitas actividades. Depois da reestruturação das Tropas Paraquedistas no pós-25 de Novembro de 1975, sobretudo a partir dos finais dos anos 80, foi crescendo a participação de antigos paraquedistas militares neste dia festivo. Enquadrados em associações uns, mas a grande maioria até a nível individual ou em deslocações organizadas por pequenos grupos (cursos de paraquedismo, recrutas, amigos de uma localidade, etc), vindos de todo o Portugal e do estrangeiro, seja o 23 de Maio dia de semana ou fim-de-semana, são milhares os boinas verdes que estão presentes para o “Dia do Paraquedista”. Nos últimos anos até se verifica que algumas dezenas – centenas? – chegam nos dias anteriores, acampam no “Pinhal do Batalhão de Instrução”, junto à “Torre Americana”, e começam com as comemorações! Com muita comida e bebida. 

- Uma característica final que não sendo consensual entre os boinas verdes tornou-se realidade pela vontade de muitos visitantes, talvez a maioria. As actividades informais no “Pinhal do BI” têm uma componente comercial relativamente volumosa que inclui empresas de restauração – foi-se tornando impraticável fornecer em tempo, na unidade e mesmo pagando, refeições a milhares de pessoas, logo havia falta de oferta – e de “merchandising” paraquedista, onde se pode encontrar para venda tudo o que tenha um brevet ou uma boina verde!

Porquê 23 de Maio?

A 1.ª Ordem de Serviço assinada pelo Capitão Armindo Martins Videira, comandante do BCP, foi publicada em 4 de Janeiro de 1956. Os primeiros paraquedistas haviam chegado ao antigo “Batalhão de Pontoneiros” no dia anterior. Este quartel estava integrado na Escola Prática de Engenharia, degradado mas disponível. Foi escolhido por estar junto à Base Aérea n.º 3. Começaram-se as obras e arranjos, a 23 de Maio estava apresentável, longe de estar pronto.

Anteriormente como é sabido os militares portugueses que tinham terminado o Curso de Espanha em Julho de 1955, estavam aquartelados num destacamento do Exército na Serra da Carregueira (Cacém - Sintra) onde aliás haviam sido concentrados antes de rumar a Alcantarilla, Espanha. Foi aliás da Serra da Carregueira que o Batalhão de Caçadores Paraquedistas partiu para a cerimónia militar da sua apresentação à Nação, em Lisboa, no dia 14 de Agosto de 1955.  

Em 26 de Dezembro de 1955 era publicada no Diário do Governo a Portaria n.º 15.671 da Presidência do Conselho de Ministros e do Ministério do Exército que dava cumprimento ao previsto no Decreto n.º 40.395 de 23 de Novembro de 1955, o qual determinava «…junto de uma das bases aéreas será constituído, na dependência do Subsecretariado de Estado da Aeronáutica e em ligação com o Ministério do Exército, um batalhão de caçadores pára-quedistas…». A referida Portaria concretiza que «…o batalhão de caçadores pára-quedistas terá a sua sede na área do Polígono militar de Tancos, junto da base área n.º 3 que porá à sua disposição os necessários meios de transporte e lançamento aéreos».

Em 15 de Outubro de 1955 alguns militares do BCP tinham realizado o primeiro salto em paraquedas em Portugal, na pista da BA 3, e em 16 de Fevereiro de 1956, realizava-se o primeiro “salto em massa” em território nacional, na Golegã.

Como se pode constatar, todas estas datas foram marcos históricos, poderiam ter sido escolhidas para “Dia da Unidade”! Porquê então o 23 de Maio?

A 23 de Maio de 1179 – passam agora 845 anos! – o Papa Alexandre III assina a Bula Manifestis Probatum na qual pela primeira vez, declarava de forma inequívoca o reconhecimento de Portugal como reino e de D. Afonso Henriques como rei, e salvaguardava os territórios adquiridos na guerra como fazendo parte integrante de Portugal.

Convém recordar que nessa época o Papa era a principal autoridade da cristandade. Estava a iniciar-se a 1.ª Dinastia do Reino de Portugal, o Papa atribuía ainda aos herdeiros de D. Afonso Henriques as mesmas concessões e nos séculos seguintes a independência nacional consolidou-se pela força das armas.  

Mas, então, qual a ligação às Tropas Paraquedistas tantos séculos passados? Na realidade até ao momento, como em alguns outros aspectos da história das tropas paraquedistas, não foi possível (ainda!) detectar documentação oficial escrita que justifique esta escolha. No entanto e também por  isso, em 1989, o então Primeiro-Sargento Paraquedista António Sucena do Carmo entrevistou na sua residência em Lisboa, o General Kaúlza Oliveira de Arriaga, Subsecretario de Estado da Aeronáutica em 1956, que a esta dúvida respondeu «…a criação de uma unidade de Tropas Pára-quedistas no seio das Forças Armadas Portuguesas, em pleno século XX, tinha um significado análogo ao da importância da emissão da Bula Manifestis Probatum  na consolidação da nossa Independência Nacional: Portugal passava a dispor de mais um instrumento tecnicamente capaz de a defender, embora por outros meios.» Pretendeu-se assim, portanto, sem a menor dúvida, dar significativa relevância Nacional a esta nova força que acabava de ser criada e para a qual havia grandes expectativas.  Ao contrário do que por vezes hoje se pensa, já nesta altura era sentido que precisávamos de nos preparar melhor para defender a integridade territorial de Portugal, e isso é mesmo visível, por exemplo, quer no discurso de Kaúlza de Arriaga quer no do Comandante do BCP neste dia 23 de Maio de 1956.

23 de Maio de 1956

Nesse dia de manhã os jornais saídos em Lisboa anunciavam a presença em Tancos do Ministro da Defesa Nacional, Coronel de Infantaria Fernando dos Santos Costa (1899-1982), na “inauguração do quartel do Batalhão de Caçadores Pára-quedistas”  e comemorações do “Dia do Pára-quedista”.

No entanto, na realidade, presentes estiveram dois membros do governo o Coronel de Engenharia Afonso Magalhães de Almeida Fernandes (1906-1986), Subsecretário de Estado do Exército e o Tenente-Coronel de Engenharia Kaúlza Oliveira de Arriaga (1915-2004), Subsecretario de Estado da Aeronáutica, mas o ministro não compareceu.

Ainda hoje é um mistério! A personalidade que pessoalmente se empenhou quer a nível político quer técnico para esta nova unidade ser uma realidade, lutando contra todas as resistências à sua concretização e de quem partiram todas as decisões, o homem que em 14 de Agosto de 1955 acompanhou o Presidente da República na entrega do Guião ao BCP e passou mesmo revista ao batalhão com Craveiro Lopes, não esteve presente. Tentando saber razões, pessoais ou de serviço, tem-se revelado impossível. Certamente razões muito fortes o impediram de rumar a Tancos. Analisadas quer a “agenda Salazar” quer a “agenda pessoal” do ministro em posse da família, e ainda noticias da imprensa diária, nada foi possível até agora apurar.

Esteve presente toda a alta hierarquia das Forças Armadas e comandantes da generalidade das unidades da Força Aérea e de muitas daquela Região Militar. Presentes ainda Adidos Militares/Aeronáuticos de Espanha, Bélgica, Reino Unido e Estados Unidos da América.

Sendo uma unidade integrada na Força Aérea, mesmo que para alguns efeitos tivesse dependência do Ministro do Exército, coube ao Subsecretário de Estado da Aeronáutica a inauguração simbólica da unidade abrir o portão de ferro da Porta-de-Armas. A fotografia deste momento acabou por se consagrar para a história como um autêntico ex-libris deste dia. E também a ligação de Kaúlza de Arriaga às Tropas Paraquedistas que se iria aprofundar. Se até 1955 esteve ligado ao processo mas sem poder de decisão que cabia ao ministro, agora no cargo de responsável político pela Força Aérea, coube-lhe a liderança dos assuntos ligados, primeiro ao BCP e depois aos tempos iniciais do Regimento de Caçadores Paraquedistas.

Talvez pelas indecisões sobre a inserção do BCP, no Exército ou na Força Aérea, que são um facto hoje documentado e que haviam criado algumas dúvidas, até públicas na imprensa – havia quem julgasse que o BCP era uma unidade do Exército  – neste dia Kaúlza de Arriaga deixou claro no seu discurso qual a situação do BCP e de quem o tinha decidido:

«…Quis Sua Exª. o Ministro da Defesa Nacional honrar as Forças Aéreas confiando-lhes a preparação e a administração da primeira unidade pára-quedista das Forças Armadas Portuguesas. É uma honra que a Aeronáutica Militar não esquecerá e que vem juntar-se a tantos outros motivos de reconhecimento para com Sua Ex.ª…»

Nestes tempos iniciais aliás a articulação da nova unidade entre a Força Aérea e Exército acabou por  ser algo problemática e assim em 1958, pela mão de Kaúlza de Arriaga – já o Ministro da Defesa Nacional era o General Júlio Botelho Moniz  (1900-1970) – o BCP passa a depender para todos os efeitos da Força Aérea.

O 23 de Maio hoje

Chegamos à actualidade e o 23 de Maio continua, ano após ano, a ser comemorado pelo Regimento de Paraquedistas no dia exacto – o Exército ao qual os paraquedistas pertencem desde 1994 sempre respeitou este desiderato –  não defraudando os milhares de antigos boinas verdes que ali se deslocam sem qualquer convite ou convocatória. Comparecem! Muitos com amigos e/ou familiares.

A cerimónia militar, como sempre, não pode fugir muito ao que é regulamentar, e é para todos os que “estão fora” um momento de contacto com a actualidade da força a que um dia também pertenceram. Ver novos uniformes, novos equipamentos e armamentos, novos procedimentos aqui e ali. Novas aeronaves e novos paraquedas! 

Na “envolvente” constata-se que estamos a assistir a um maior dinamismo por parte de várias associações de paraquedistas por todo o Portugal e mesmo no estrangeiro. É interessante verificar este movimento muito diferenciado, com muito individualismo à mistura como é típico do nosso associativismo, mas ao mesmo tempo com unidade em alguns pontos cruciais. Muitos boinas verdes dos que já não fizeram a Guerra do Ultramar estão a envolver-se no movimento associativo, a fazer crescer as associações e a criar outras novas. Há novos tipos de associações como os “grupos Motards” ou os “grupos de paraquedistas” de uma localidade, e outros, os quais, todos juntos, cada um com a sua identidade, acabam por se encontrar no 23 de Maio, para honrar a boina verde e o seu profundo significado pessoal e colectivo. Há ainda o caso particular da "Associação de Pára-quedistas da Ordem dos Grifos 63", também ela integrada na União Portuguesa de Paraquedistas - uma "federação de associações - que tem alcance nacional e continua a crescer em número de associados.

Milhares de paraquedistas, integrados em associações ou a título individual, no activo como fora dele, juntam-se anualmente no 23 de Maio. É uma grande jornada de confraternização militar única em Portugal. Nunca esquecendo os seus que caíram, mas também dando força aos boinas verdes de hoje, os que mantêm a instituição viva. 

Foi uma semente pensada e lançada ao "solo sagrado de Tancos" em 1956 com a designação desta data como Dia do Pára-quedista. Foi e é realmente!

Miguel Silva Machado,11 de Abril de 2024







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