PARAQUEDISTA CONHECES A TUA HISTÓRIA? (II) AS TROPAS PARAQUEDISTAS E A CHAIMITE

Nota prévia: Paraquedista, conheces a tua história?

Este antetítulo identifica uma nova série de pequenos artigos sobre aspectos relativos às Tropas Paraquedistas Portuguesas, alguns ainda não completamente investigados, outros concluídos. Pretendo assim continuar a ajudar a divulgar entre as novas gerações de boinas verdes portugueses a nossa história comum, com base em fontes iconográficas, documentais e orais a que vou tendo acesso. Sem intenção de ordem cronológica ou importância na sua apresentação.

Comentários são bem-vindos: paraconhecesatuahistoria@gmail.com

Paraquedista, conheces a tua história? (II) 

AS TROPAS PARAQUEDISTAS E A CHAIMITE

Não é muito conhecido, mas as tropas paraquedistas portuguesas estão ligadas à viatura blindada “Chaimite” desde que uma Cadillac Gage V-100 “Commando”, modificada, foi testada em Portugal em 1967. Décadas depois, em 1996 na Bósnia e Herzegovina, os paraquedistas que nunca a tinham usado, foram a força portuguesa que primeiro e em maior número empregou nas operações expedicionárias a V-200 “Chaimite”.

Em 1967 uma viatura V-100 “Commando” fabricada pela firma americana Cadillac Gage, foi modificada em Portugal por uma empresa, “Sociedade Luso Brasileira de Viaturas e Equipamentos SARL – BRAVIA”, com o apoio do Exército Português. O mentor deste projecto, Major do Exército na situação de Reforma, João Donas-Bôtto, baptizou a viatura com o nome desse célebre combate de Mouzinho de Albuquerque em Moçambique na localidade de Chaimite.

Esta viatura em concreto fez uma demonstração de capacidades no Campo de Tiro de Alcochete, tendo estado no dia anterior guardada no Regimento de Caçadores Paraquedistas em Tancos, unidade que forneceu os militares que a guarneceram durante os testes, sendo no entanto operada por um condutor americano. Estiveram presentes oficiais paraquedistas com experiência operacional no Ultramar que subscreveram um relatório, apresentado dias depois, o qual terminava do seguinte modo: “…Resumindo, pode-se afirmar que a futura viatura “Commando Chaimite” com as modificações apresentadas neste relatório permitirá às tropas paraquedistas quer na Metrópole quer no Ultramar enormes possibilidades operacionais…”.

O relatório, a coberto de nota assinada pelo Vice-Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, segue para o Secretariado-Geral da Defesa Nacional, entidade que a Força Aérea espera convencer a pagar 30 destas viaturas destinadas aos paraquedistas, que seriam fabricadas em Portugal. Nunca aconteceu e a firma que a iria produzir, a “Sociedade Luso Brasileira de Viaturas e Equipamentos SARL – BRAVIA”, não conseguiu a encomenda. Em Julho de 1967 o Ministro da Defesa Nacional, Manuel Gomes de Araújo, despacha que “…penso não ser susceptível de transporte por aviões de que dispomos ou possamos vir a dispor e muito menos a lançamento em pára-quedas... …Meio muito útil na luta terrestre deve ser atribuído, pelo menos em primeira prioridade, às tropas de terra e nestas em primeiro lugar às unidades de reconhecimento … Há, por isso, que dotar em primeiro lugar e logo que possível o Exército…”

O Exército viria de facto a adquirir a agora denominada V-200 “Chaimite” – Viatura Blindada e Anfíbia Para Fins Múltiplos “Chaimite” 4X4 – ainda em 1967, tendo os primeiros exemplares sido entregues apenas em 1970.

Além de alguns clientes estrangeiros – Peru, Líbano, Líbia e Filipinas – a Bravia vendeu ao Exército em dois contratos (1967 e 1968) um total de 84 V-200, cujas entregas se prolongaram nos anos. O Corpo de Fuzileiros já em 1976 adquiriu 4 V-200.

As V-200 ainda foram empregues nas Províncias Ultramarinas da Guiné, Moçambique, e Angola, em números reduzidos, tendo sido utilizadas em combate com resultados dispares. As últimas V-200 a regressar o Ultramar, curiosamente, foram as dos “Dragões de Angola” que saíram de Luanda em 10 de Novembro de 1975, na mesma ocasião que o Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 21.

Nos anos 80 do século XX o Exército Português decidiu encetar um processo de modernização das V-200, opta pela firma americana Cadillac Gace para o conduzir em Portugal nas Oficinas Gerais de Material de Engenharia, a Bravia acaba por declarara falência. Deste processo saem agora três variantes da “Chaimite”:

AUTO BLINDADO P/MET M2HB 12,7 MM TP10 CHAIMITE D 4x4 M/67-87 V-200

AUTO BLINDADO PORTA LANÇA MÍSSEIS CHAIMITE D 4×4 M/67-87 V-200;

AUTO BLINDADO PORTA MORTEIRO 81 mm CHAIMITE D 4×4 M/67-87 V-200.

Em 1995, já depois portanto da transferência das Tropas Paraquedistas da Força Aérea para o Exército (01JAN1994), o então designado 2º Batalhão de Infantaria Aerotransportado, hoje 2.º Batalhão de Infantaria Paraquedista, antes de partir para a Bósnia e Herzegovina, foi equipado com 26 V-200 Chaimites. Os “boinas verdes” que em 1967 não puderam comprar esta viatura tornaram-se assim, quase 30 anos depois, numa situação de urgência - não havia militares de outras especialidades em quantidade no Exército para enviar para a missão - nos seus maiores utilizadores operacionais. Na realidade, acasos da história, a Bósnia-Herzegovina durante o ano de 1996, foi o teatro de operações onde mais Chaimites se utilizaram em toda a história da viatura.

Não sendo claramente uma viatura adaptada para aquele teatro de operações onde as temperaturas negativas eram rotina no inverno, além dos problemas mecânicos e de "idade" que apresentavam, as V-200 tiveram que servir - não havia outra viatura de rodas blindada de transporte de pessoal no Exército - e durante muitos anos manteve-se na Bósnia e Herzegovina ao serviço dos sucessivos batalhões portugueses. Apesar de tudo conferia alguma protecção às tropas e para missões de escoltas ou em ambiente de manutenção de ordem pública tinha as suas vantagens.   

As Chaimites V-200 nas versões porta-metralhadora 12,7mm, porta-morteiro 81mm e mesmo algumas porta-mísseis modificadas para usar uma metralhadora 12,7mm, foram assim usadas por todos os batalhões paraquedistas que serviram na Bósnia até ao final da missão em 2007 (1.º, 2.º e 3.º BIPara), pelo Esquadrão de Reconhecimento da Brigada Aereotransportada que integrou o Agrupamento Bravo no Kosovo em 1999 e ainda pelos BIPara que actuaram também no Kosovo a partir de 2005 até 2014 quando foram substituídas pelas PANDUR II 8X8.

Entre 1996 na Bósnia e Herzegovina e 2013 no Kosovo, todos os batalhões de paraquedistas utilizaram as V-200 em operações nos Balcãs. Em Portugal e no Kosovo (1999) o Esquadrão de Reconhecimento da BAI foi também utilizador das V-200.

As V-200 “Chaimite” foram assim a primeira viatura blindada a ser usada em operações pelos paraquedistas portugueses (Bósnia, 1996 – 2007; Kosovo, 1999 – 2013) além naturalmente dos exercícios em Portugal. Seguindo-se depois as VBL M-11 Panhard (Kosovo, 1999-2017), os HMWWV (blindados) no Afeganistão (2006-2014) e RCA (2018-2020), as PANDUR II 8X8 no Kosovo (2014-2017) e RCA (a partir de 2018 e finalmente os VAMTAC ST 5 (a partir de 2020).

Em síntese é esta a ligação da Chaimite aos paraquedistas, a qual também inclui a dramática morte de dois boinas verdes na Bósnia em 1996 na sequência de um acidente com uma destas V-200.

Quem quiser saber mais pode consultar os artigos abaixo, e perceber melhor a fantástica e mesmo contraditória história da viatura.

Foi concebida para ganhar a guerra do Ultramar, como João Donas-Bôtto, um indefetível do Estado-Novo gostava de dizer, e acabou imortalizada na opinião pública por uma acção pontual no 25 de Abril de 1974, o transporte de Marcelo Caetano, sendo hoje uma bandeira dos que não queriam combater no Ultramar; desenhada e equipada para operar em África com climas quentes e enfrentar um inimigo pouco sofisticado, acabou por ter o seu maior emprego operacional em climas frios na Europa em operações de apoio à paz na NATO.

Miguel Silva Machado, 20FEV2024

Bibliografia:

04NOV2013 CHAIMITE, O COMEÇO ESTEVE PARA SER…NA FORÇA AÉREA:  https://www.operacional.pt/chaimite-o-comeco-esteve-para-ser-na-forca-aerea/ 

03FEV2009 CHAIMITE V-200 (Parte I): https://www.operacional.pt/chaimite-v-200-parte-i/

06FEV2009 CHAIMITE V-200 (Parte II – Conclusão): https://www.operacional.pt/chaimite-v-200-parte-ii-conclusao/

15JUN2009 KOSOVO: A ÚLTIMA MISSÃO DA CHAIMITE: https://www.operacional.pt/kosovo-a-ultima-missao-da-chaimite/

11SET2011 KOSOVO: PORTUGUESES IMPULSIONAM NOVO CONCEITO DE EMPREGO TÁCTICO: https://www.operacional.pt/kosovo-portugueses-impulsionam-novo-conceito-de-emprego-tactico/

01MAR2010 KOSOVO: AS OPERAÇÕES DE CERCO E BUSCA: https://www.operacional.pt/kosovo-as-operacoes-de-cerco-e-busca/

23MAR2009 TENSÃO SOBRE A IEBL: https://www.operacional.pt/tensao-sobre-a-iebl/