PARAQUEDISTA CONHECES A TUA HISTÓRIA? (I) O “BEIJO À BANDEIRA” E AS TROPAS PARAQUEDISTAS PORTUGUESAS

 Nota prévia: Paraquedista, conheces a tua história?

Este antetítulo identifica uma nova série de pequenos artigos sobre aspectos relativos às Tropas Paraquedistas Portuguesas, alguns ainda não completamente investigados, outros concluídos. Pretendo assim continuar a ajudar a divulgar entre as novas gerações de boinas verdes portugueses a nossa história comum, com base em fontes iconográficas, documentais e orais a que vou tendo acesso. Sem intenção de ordem cronológica ou importância na sua apresentação.

Comentários são bem-vindos: paraconhecesatuahistoria@gmail.com


 Paraquedista, conheces a tua história? (I)

 O “BEIJO À BANDEIRA” E AS TROPAS PARAQUEDISTAS PORTUGUESAS


«…E quando, em confirmação desse juramento, beijares a Bandeira, símbolo sagrado deste Portugal eterno que, neste momento, uma vez mais, se renova, fazei-o com a mesma devoção, com o mesmo respeito, com que se beija uma velha mãe muito querida…»

Coronel Paraquedista Mário de Brito Monteiro Robalo, Tancos, 16JUN1966

Espírito de corpo

Nunca é demais repetir que o espírito de corpo de um conjunto de militares constrói-se de múltiplos factores, uns tangíveis, outros não, mas que o grupo sente como seus. Mesmo que isso hoje pareça estranho a muitos, houve e há quem por isso morra se necessário for.

Fica assim clara a tremenda importância dessa característica que muitas forças militares cultivam, e nela assentam parte importante do seu potencial. Como está bem de ver isto é positivo para o conjunto alargado a que pertencem, e logo assim para o país que servem.

Essas condições que são estabelecidas e por vezes até legisladas com essa finalidade – criar ou aprofundar o espírito de corpo – nascem das mais variadas maneiras e não raramente “de baixo para cima”, sendo profundamente sentidas pela comunidade que os pratica. Da instrução às insígnias conquistadas, das obrigações aos privilégios, do sacrifício aos momentos de diversão, nas derrotas e nas vitórias, é nesta amalgama de factores e sentimentos que se forja essa tal força anímica que potencia as capacidades.



Tropas Paraquedistas Portuguesas

Estas tropas têm na boina verde o seu símbolo mais reconhecido pela comunidade em que se inserem, mas vários outros aspectos significativos têm ao longo dos anos tido importância relevante na formação e manutenção do seu espírito de corpo.

Regimento de Caçadores Paraquedistas

O caso do “Beijo à Bandeira” é um desses e com características especiais. Na realidade este procedimento foi implementado em 16 de Junho de 1962, no Juramento de Bandeira da Escola de Recruta n.º 1 1961/62 ministrada no Regimento de Caçadores Paraquedistas, em Tancos, sendo comandante o Coronel Paraquedista Mário de Brito Monteiro Robalo.

Para este breve resumo não foi possível apurar a sua origem de forma documental, mas não custa acreditar que o facto do primeiro grande grupo de paraquedistas portugueses ter sido formado em Espanha 1955 – onde uma cerimónia semelhante tem lugar, não deixará muitas dúvidas. Acresce que o Coronel Robalo, sendo paraquedista desde 1953 formado em Pau, França, também esteve presente em Alcantarilla, Espanha, de Abril a Julho de 1955, na Escuela Militar de Paracaidismo - Ejercito del Aire onde decorreu o curso.  

No essencial este acto altamente simbólico consta de uma passagem individual dos militares que saindo da formatura em que acabaram em conjunto de prestar o seu Juramento de Bandeira – o compromisso com a defesa da Pátria assumido publicamente – dirigindo-se ao Porta-Estandarte Nacional, beijando a Bandeira Nacional e regressando ao conjunto, à formatura. Nesses tempos o Porta-Estandarte Nacional ficava ladeado – ou na sua frente – pelo Comandante da Unidade empunhado o Espadim e o Capelão na mesma atitude, mas com um Crucifixo.


Este procedimento foi mantido no RCP durante o período da Guerra do Ultramar tendo depois sido abandonado até ser recuperado mais de uma década depois nos tempos do Corpo de Tropas Paraquedistas.

Foi assim mais uma “inovação” instituída no universo militar nacional pelo Regimento de Caçadores Paraquedistas, “Casa-Mãe” dos boinas verdes portugueses. Transformou-se pela sua continuidade e profundo simbolismo numa tradição que tinha real relevância na consolidação do espírito de corpo da unidade que mobilizou milhares de paraquedistas para combater na Guerra do Ultramar, na qual os paraquedistas mantiveram 4 Batalhões de Caçadores Paraquedistas: BCP 12 (Bissalanca – Guiné Portuguesa); BCP 21 (Luanda – Angola); BCP 31 (Beira – Moçambique); BCP 32 (Nacala – Moçambique).

No boletim “Boina Verde” n.º 13 de Agosto de 1966 do BCP 21 encontramos esta magnífica descrição da cerimónia e do seu profundo significado. Trata-se de um excerto do discurso do Comandante do RCP, Coronel Paraquedista Mário Brito Monteiro Robalo, paraquedista militar português n.º 2 e primeiro boina verde português a saltar em queda-livre.

«…JURAI, POIS, SOLDADOS! E fazei-o, segundo o exemplo daqueles heróis que já enchem as nossas fileiras e, daqueles outros cuja memória veneramos, com a voz forte de quem sabe o que quer e com a consciência limpa de quem pratica um dever Sagrado, gravando nos vossos corações, generosos e bons, em letras de fogo, cada uma das palavras que os vossos lábios irão proferir. E quando, em confirmação desse juramento, beijares a Bandeira, símbolo sagrado deste Portugal eterno que, neste momento, uma vez mais, se renova, fazei-o com a mesma devoção, com o mesmo respeito, com que se beija uma velha mães muito querida, com a certeza de que Deus, aqui presente, na cruz do vosso Capelão e de que a vitória, simbolizada no punhal erguido do vosso Comandante, hoje, como ontem, amanhã, como sempre, estarão, permanentemente, convosco, na dureza dos combates para que a vossa divisa "QUE NUNCA POR VENCIDOS SE CONHEÇAM" seja, cada vez, mais verdadeira, porque, mais merecida…»


Há relatos de difícil confirmação que durante o período do RCP um ou outro Juramento de Bandeira não incluiu esta cerimónia devido ao elevado número de militares em parada, acima de meio milhar. Algures no período revolucionário do pós-golpe militar de 25 de Abril de 1974 esta tradição foi interrompida, sendo fácil subentender porquê, os tempos eram dados a tudo menos a exaltar quer o patriotismo dos militares quer os seus sentimentos religiosos.  

Tancos - Base Escola de Tropas Paraquedistas

Após procura exaustiva não foi possível descortinar antes dos ciclos de instrução de 1985/86 evidência de qualquer Juramento de Bandeira com a cerimónia do “Beijo à Bandeira” nas unidades do Corpo de Tropas Paraquedistas. Há quem afirme ter memória disso mas na realidade e até prova em contrário – que naturalmente agradeceria – foi apenas depois de um interregno de sensivelmente 12 anos, que esta cerimónia voltou à “Casa-Mãe” dos boinas verdes portugueses, agora Base Escola de Tropas Paraquedistas. 

Garantido é que nesse ano de 1986 o Juramento de Bandeira do Curso Geral de Milicianos para Oficiais e Sargentos milicianos – os actuais regimes de voluntários e contratados – terminado em Fevereiro, incluiu esse acto! A decisão terá nascido sob proposta de um grupo de oficiais do Batalhão de Instrução e foi aceite pelo comando da unidade e do CTP. No mês seguinte, a Instrução Militar Geral para Praças também incluiu e até hoje assim ali se manteve – e em São Jacinto como a seguir veremos – na BETP e nas unidades do Exército que se seguiram em Tancos:  Escola de Tropas Aerotransportadas, Escola de Tropas Paraquedistas e Regimento de Paraquedistas.



Nesta nova “época” tem havido algumas alterações, nomeadamente, nas duas primeiras cerimónias o Comandante não estava presente junto ao Porta-Estandarte Nacional nem o Capelão. No entanto a partir do Juramento de Bandeira de Agosto de 1986 o Comandante já ali estava empunhando o espadim e assim se continuou a proceder, o Capelão não regressou mais. Neste novo início os militares não se descobriam – como nos tempos do RCP – mas iam beijar a bandeira com a cobertura de cabeça. Como ao longo destes anos a sequência da formação militar foi alterada, houve cerimónias em que os militares envergavam o bivaque, a boina castanha, outras já a boina verde. Nos últimos anos durante algum tempo voltou-se a realizar o beijo à bandeira com os militares sem cobertura de cabeça, mas actualmente já se voltou a usar. Nos últimos anos pelo que tem sido possível ver nos registos fotográficos, o Comandante da unidade não está presente junto ao Estandarte Nacional.  Durante a emergência COVID os Juramento de Bandeira não incluíram esta cerimónia.  






São Jacinto - Base Operacional de Tropas Paraquedistas n.º 2

Em 6 de Maio realizou-se o Juramento de Bandeira da Instrução Militar Geral 2/86 – a terceira ministrada na BOTP 2 – o qual incluiu pela primeira vez na BOTP 2 o “Beijo à Bandeira”.  Este procedimento manteve-se nos restantes 12 Juramentos de Bandeira realizados na unidade, o último dos quais em 6 de Agosto de 1993.   Com a transferência das Tropas Paraquedistas para o Exército a em 1 de Janeiro de 1994 a agora designada Área Militar de São Jacinto, deixou de ministrar “recrutas”, ficando uma unidade totalmente dedicada à componente operacional.  



Academia da Força Aérea

Em 15 de Julho de 1983 realiza-se na Academia da Força Aérea a primeira cerimónia de Juramento de Bandeira naquela instituição. Para surpresa de muitos o “Beijo à Bandeira Nacional” faz parte do articulado da cerimónia e assim se mantém até aos nossos dias. Neste ramo apenas na Academia da Força Aérea e para os cadetes.


Procurando saber as razões não se conseguiu até ao momento informação fiável. Havendo oficiais paraquedistas a desempenhar funções no Corpo de Alunos, como havia, poderão ter tido influência? É uma possibilidade, mas não uma certeza. Não sendo em Portugal uma tradição originária da Força Aérea como um todo mas apenas do seu Regimento de Caçadores Paraquedistas em 1962, o facto é que à luz do que se conseguiu averiguar, em 1983 foi a AFA que retomou primeiro esta prática e só depois a BETP.

Na Força Aérea como Exército 

Sessenta e dois anos depois daquele dia inicial no Regimento de Caçadores Paraquedistas, o Beijo à Bandeira Nacional mantém-se como elemento altamente simbólico para os novos paraquedistas militares portugueses. Cada ano que passa, perante os seus familiares, novos candidatos orgulhosamente confirmam o seu juramento para com a Pátria portuguesa e aprofundam o espírito de corpo dos boinas verdes.



Quer a Força Aérea em 1962 quer o Exército a partir de 1994 respeitaram esta tradição que os boinas verdes portugueses implementaram nas Forças Armadas Portuguesas, ajudaram assim a cimentar algo que os boinas verdes portugueses sentem como parte da sua identidade. 

Miguel Silva Machado, Torres Vedras, 12FEV2024

 

Bibliografia, fontes documentais e iconográficas

CALHEIROS, José Alberto de Moura, HISTÓRIA DAS TROPAS PÁRA-QUEDISTAS PORTUGUESAS, RCP (1961-1975), 2022

MACHADO, Miguel Silva e CARMO, António Sucena do, TROPAS PÁRA-QUEDISTAS PORTUGUESAS, 1956-1991, 35.º Aniversário, 1.ª Edição 1991. Edição da revista “Boina Verde”. Corpo de Tropas Pára-quedistas, Lisboa, 1991

 

Arquivo Alfredo Serrano Rosa

Arquivo Miguel Silva Machado & António Sucena do Carmo

Arquivo Regimento de Paraquedistas

Boletim Boina Verde

Revista Boina Verde

Revista Mais Alto

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