PROTESTOS EM AVEIRO, 24OUT2021 (Parte I)

 

Ainda não consegui ver tudo o que se passou nesta ocasião para emitir opinião mais fundamentada, mas desde já quero deixar estas notas factuais que talvez interessem sobretudo a quem foi surpreendido com o sucedido.

São factos, não há aqui uma linha de opinião.

Presentes em Aveiro todas as gerações de paraquedistas, os que combateram no Ultramar – gente na casa dos 70 anos de idade – os do Corpo de Tropas Paraquedistas – na casa dos 40/50 – e os das Missões de Paz e Expedicionárias, muitos já incorporados no Exército a partir de 1994.

Há antecedentes longínquos, intermédios, recentes e os últimos que foram a “luz verde” para estes protestos espontâneos:

- A “Transferência” das Tropas Paraquedistas da Força Aérea para o Exército em 1994, decisão política legitima mas executada de modo atabalhoado, sem ter em linha de conta toda a realidade existente no CTP e as razões do seu sucesso como organização militar, sobretudo a grande autonomia existente no seio da Força Aérea;

- A chamada “Transformação” do Exército em 2006 que desarticulou a organização do Comando das Tropas Aerotransportadas / Brigada Aerotransportada Independente criada em 1994 e assim destruiu a já algo limitada autonomia e retirou-lhes um comando de oficial-general, fundamental no Exército para “se ser ouvido” nos processos de tomada de decisão e para manter a ligação/união das unidades paraquedistas;

- A publicação e introdução do novo Regulamento de Uniformes do Exército a partir de 2019/20, o qual criou limitações ao uso da boina verde pelos militares especializados em paraquedismo e, pela primeira vez na sua história (desde 1955) proíbe militares que saltam em paraquedas de usar a boina verde fruto da sua colocação em determinadas unidades; ainda decorrente desta legislação a sucessão de ordens verbais que contrariam o previsto do dito Regulamento para tentar apaziguar os oficiais e sargentos que se viam proibidos de usar a boina verde com uniforme n.º 1;

- A divulgação nas redes sociais um par de dias antes da cerimónia de 24 de Outubro de 2021, por parte de paraquedistas fora do activo, sem qualquer secretismo, de informações vindas de paraquedistas no activo que iriam desfilar, com as ordens recebidas para não se cantar, não se marchar com a cadência típica das Tropas Paraquedistas, não se usar um determinado tipo de modo de usar os atacadores das botas que são tradição de sempre nos Boinas Verdes e, ainda, os militares do Regimento de Comandos não poderiam dar o seu tradicional grito de guerra “Mama Sume” nem usar os “chachat” Comando no uniforme. 

Pouco a pouco, ano após ano, nos encontros de antigos paraquedistas e depois muito potenciado pelo aparecimento das redes sociais, perante cada nova medida do Exército que se ía sabendo por parte de quem está no activo - e são muitas que não se detalham agora - , foi-se criando a percepção nos antigos paraquedistas militares que havia a intenção de destruir a sua identidade, a sua história comum. Quem está no activo não se pode expressar publicamente, os que estão "fora" sentem que devem assumir essa indignação. Cresceu muito esse sentimento a partir das medidas de 2019/2020 que atingiram o seu símbolo maior e mais querido, a boina verde.

Foi uma convocação espontânea sem qualquer interferência de associações – mesmo que muitos antigos militares presentes integrem algumas associações de paraquedistas e a associação de comandos – partidos políticos ou associações sócio-profissionais de militares, convocada e abertamente discutida nas redes sociais, sem qualquer secretismo ou cálculo.

Com razão ou sem ela, não é esse o ponto, mas são factos, os políticos muitas vezes são assobiados/insultados em público o que é grave até porque se tornou quase normal, agora a um Chefe Militar nunca tinha acontecido, o que naturalmente também é grave e penoso de assistir. 

Miguel Silva Machado

Torres Vedras, 25 de Outubro de 2021.

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