BOINA VERDE NO EXÉRCITO, A ORIGEM DO ERRO E UMA SOLUÇÃO


Neste artigo faz-se uma síntese da história recente neste assunto e propõe-se uma frase para resolver a confusa situação actual: “a boina verde é atribuída aos militares que concluem o Curso de Paraquedistas e pode ser usada pelos militares do Exército que mantiverem a qualificação em paraquedismo militar”.

 

Em 1994 deu-se uma mudança radical no modo como a boina verde era usada nas tropas paraquedistas (1955-1993), a qual está na origem da confusa e injusta situação actual. Nesse ano com a transferência da Força Aérea e integração no Exército dos paraquedistas, a boina verde, que tinha sido criada por Decreto em 1955 e constava da Portaria do Ministro da Defesa Nacional de 1991, Regulamento de Uniformes da Força Aérea (RUFA), passou a ser usada por determinações internas do Exército. Na realidade o ramo terrestre não tinha Regulamento de Uniformes do Exército (RUE) aprovado por Portaria do Ministro da Defesa Nacional e usava-se um projecto de RUE que circulava por determinação do Chefe de Estado-Maior do Exército.

 

Esta documentação interna do Exército provocou uma grande alteração no uso das três boinas “especiais” do Exército: vermelha-púrpura (com duas fitas pretas), verde-seco (com uma fita verde e outra vermelha) e verde (com duas fitas pretas). Estas passaram a ser atribuídas a quem terminava com aproveitamento os cursos de comandos, operações especiais e paraquedismo militar, respectivamente, não havendo necessidade de preencher qualquer outro requisito respeitante à manutenção da qualificação ou sequer à unidade onde se encontrava o militar colocado. E aqui, em 1994, reside a origem de tudo o que de errado se veio depois a verificar com o uso da boina verde.

 

Em 2011 é publicada a Portaria do Ministério da Defesa Nacional com o RUE no qual, mais uma vez, as 3 boinas aparecem equiparadas e onde se designam estes artigos de fardamento como “boinas de qualificação”, assumindo-se que esta nunca é perdida nem necessita de ser mantida. Persiste-se assim no erro de não obrigar um militar à execução regular de saltos em paraquedas para manter o uso da boina verde.

 

Em 2019, nova Portaria do Ministro da Defesa Nacional com o actual RUE – quando se esperava que viesse finalmente repor o uso da boina verde nos termos originais e lógicos, quem salta usa a boina quem não salta não usa – introduz ainda maiores confusões no uso das boinas de qualificação, mantendo-as equiparadas mas restringindo o seu uso, inclusive a quem realiza os saltos em paraquedas. Ou seja, um militar do Exército pode estar qualificado paraquedista, realizar semestralmente os saltos para manter essa qualificação, e ser obrigado a usar uma boina preta.


Nunca tal tinha acontecido desde 1955!


Por incrível que pareça este RUE de 2019 não prevê expressamente nem caracteriza as boinas de cor verde, vermelha e verde-seco. Apenas as de cor preta!

 

Este RUE é confuso nesta questão das boinas, introduz designações novas que não define em concreto (unidades da especialidade, cerimónias especificas das especialidades, por exemplo) e acresce que determina nos seus anexos limitações ao uso das boinas com alguns uniformes. De tal modo assim é que, posteriormente à sua publicação, a Brigada de Reação Rápida pediu esclarecimentos sobre estas questões ao comando do Exército, o que foi respondido com ordens verbais, as quais estão em uso.

Estas 3 boinas, continuam equiparadas, não havendo exigência de manutenção de qualquer qualificação para o seu uso, apenas a colocação em determinadas unidades. Estranhamente, apesar do RUE e das ordens verbais em vigor, na cerimónia militar do último Dia do Exército, a directiva do CEME obrigava o comandante das Forças em Parada a usar uma boina preta e não a que usa diariamente nos termos RUE e das ditas ordens verbais.

 

Em sentido inverso, e aqui bem, houve em 2018 uma alteração na instrução para formar militares em paraquedismo que poderia ter sido o primeiro passo para normalizar esta situação, mas o RUE de 2019 veio logo depois contrariar.

Como resultado da revisão dos cursos ministrados no Regimento de Paraquedistas, aprovada pelo comando do Exército a atribuição de boinas verdes passou a ser do seguinte modo: distingue quais os militares que recebem boina verde e os que não recebem. Assim os militares destinados às unidades de qualificação paraquedista (RPARAS, 1BIPara, 2BIPara, BOAT) da Brigada de Reação Rápida fazem o Curso de Paraquedistas (que inclui o Curso de Paraquedismo), e recebem a boina verde com o distintivo exclusivo, aprovado em 2003, e o distintivo de qualificação paraquedista (vulgo “brevet”); os outros militares que o Exército considera deverem ter formação nesta área fazem o Curso de Paraquedismo, e recebem no seu final o distintivo de qualificação paraquedista mas não a boina verde. Passam a poder usar no uniforme o “brevet”, mas não poderão envergar a boina verde. Evitou-se assim e bem a proliferação de boinas verdes por militares que na maior parte dos casos nunca iriam prestar serviço nas unidades paraquedistas, como por exemplo, operações especiais, comandos, e muitos outros.

 

Solução em 2021?

Tendo sido dado este passo em 2018 – aquele que até me parecia o mais difícil porque foi mexer com a organização do Curso de Paraquedismo Militar – bastava que o novo RUE definisse que “a boina verde é atribuída aos militares que concluem o Curso de Paraquedistas e pode ser usada pelos militares do Exército que mantiverem a qualificação em paraquedismo militar”. Ou seja, recebem-na os destinados às tropas paraquedistas, cujas unidades um despacho do CEME deve referir claramente quais são, e podem-na usar todos – dessas unidades ou não – os que semestralmente cumprem os saltos em paraquedas previsto na lei. Isto é tanto mais fácil de controlar porque:

1.    Não salta em paraquedas quem quer mas apenas quem é nomeado para isso, e só são nomeados os que estão em unidades paraquedistas e, os – talvez ainda uma dúzia de oficiais e sargentos – que estavam colocados no CTP em 1993 e a legislação autoriza que mantenham a qualificação;

2.    O registo de saltos já se realiza para efeitos de controlo da atribuição Gratificação de Serviço Paraquedista e garante o rigor na aplicação destas regras.

 

Aquela simples frase, resolvia as dúvidas e injustiças actuais.

 

Para terminar o RUE de 2019 deve ser revisto na parte respeitante ao uso das boinas das tropas especiais e da arma de cavalaria com o uniforme n.º 1, mantendo essa possibilidade, a qual aliás hoje está a ser praticada nos termos de ordens verbais. E, ainda, definir em concreto as boinas de cor verde, vermelho e verde-seco! 

 

Miguel Silva Machado, Torres Vedras, 30OUT2021

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