O AFEGANISTÃO E OS MILITARES PORTUGUESES


No momento em que a queda de Cabul às mãos dos Talibãs e os comentários sobre o papel dos americanos e da NATO (pouco o de Portugal, curiosamente, parece que nem lá estivemos!) enchem o espaço mediático, convém começar por lembrar o óbvio por vezes esquecido: os militares não partem para a guerra por vontade própria, mesmo os voluntários. Partem porque o seu governo assim o determina.

Portugal nunca teve qualquer interesse directo no Afeganistão, como não tem por exemplo na República Centro Africana ou em vários outros locais onde serviram e servem militares portugueses. Os sucessivos governos portugueses determinam intervenções militares a pedido de outros países e organizações, e nestes casos ficam as nossas forças integradas em forças multinacionais.

Os militares portugueses empenhados nestas missões – com excepções muito pontuais de especialistas, por exemplo médicos e enfermeiros – são voluntários, dos Quadros Permanentes ou em Regime de Contrato.

Quando empenhados o que os move, a cada um, são factos de ordem diversa, mas os mais comuns são razões de ordem profissional e monetária. Se por um lado o militar treina por vezes anos e anos para participar nestas missões, ao ser empenhado numa missão real sente realização profissional e um certo apelo pela aventura e pela possibilidade de conhecer novas realidades; também é verdade que durante os habituais seis meses de missão o seu pagamento é bem melhor que em território nacional. No entanto ao contrário do que por vezes se julga ninguém enriquece numa missão! Um soldado pode auferir (na totalidade dos 6 meses, se não gastar nada do suplemento de missão!) mais cerca de 15.000€, um sargento mais cerca de 16.000€ e um oficial mais cerca de 17.000€.

Todos têm perfeita noção dos riscos e das condições em que estas missões são cumpridas, algumas, nomeadamente no Afeganistão, como agora na RCA, muito exigentes do ponto de vista das condições de vida e das ameaças militares, doenças e clima.

Claro que, sobretudo depois de estarem no terreno, não raras vezes os militares ficam sensibilizados para as condições de vida dos locais, tentam ao máximo minimizar a sua dura realidade e há até casos vários de militares que do seu próprio bolso apoiam esta ou aquela situação. Terminada uma missão não é fácil para muitos desligar do que viveram em comum com outras gentes, facto mais marcante quando o militar cumpre mais do que uma missão no mesmo país. Cada um é como é, a “miséria alheia” toca mais a uns do que a outros, mas não se julgue que deixa a maioria indiferente.

Agora, todos sabem bem que estão seja onde for em nome de Portugal, mas não estão em terra portuguesa!

Em termos políticos a justificação apresentada pelos sucessivos governos para estas intervenções foi (e é!) sempre a mesma, a “defesa afastada” para “neutralizar preventivamente ameaças” à Europa e a Portugal, a “solidariedade” com este ou aquele povo e/ou situação e o “dever” para com a ONU, a NATO ou a EU, mas…para quem está no terreno o importante é cumprir bem a missão atribuída e regressar ao fim de 6 meses!

Dito de outra maneira, ninguém se ofereceu para o Afeganistão sinceramente convencido que ia evitar um ataque terrorista em Portugal!  

Assim nesta retirada do Afeganistão - nós já saímos há uns meses - apesar de todo o drama local que é bem real, estamos, Portugal, numa situação bem mais confortável do que, por exemplo, em 1974 e 1975 durante a atribulada descolonização provocada pelo golpe militar de 25 de Abril. Convém recordar aos mais novos ou esquecidos que cerca de meio milhão de portugueses residentes em África vieram para Portugal metropolitano e muitos também (quantos?) para o Brasil e África do Sul. Até hoje ninguém sabe – não quiseram nem querem saber porque isso seria ensombrar a “revolução de Abril” – quantos mortos, feridos, presos, torturados, roubados, foram provocados pela nossa saída apressada da Guiné, Moçambique e Angola.

Sobre o Afeganistão a única coisa decente que nos resta agora fazer – e em boa verdade não quisemos fazer antes, não vale acrescentar agora hipocrisia às tardias declarações governativas de grande solidariedade – é  apoiar os afegãos que colaboraram com a NATO em geral e muito em especial com Portugal (os intérpretes por exemplo!), permitindo a sua entrada em território nacional e concedendo-lhes o estatuto de refugiados políticos porque de facto o são.  

Miguel Silva Machado, 16AGO2021

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