O ÚLTIMO GENERAL BOINA VERDE?

 

Em 1980 Heitor Hamilton Almendra foi promovido a Brigadeiro, sendo o primeiro oficial desta Especialidade Paraquedista da Força Aérea. Ao ser promovido  em 2013 a Major-General, Carlos Perestrelo, que passou à Reserva em 2019 - se nada for alterado no actual Regulamento de Uniformes - será o último general a usar a boina verde! 

O ÚLTIMO GENERAL BOINA VERDE?

Um dos efeitos perversos do novo Regulamento de Uniformes do Exército é este: os generais paraquedistas não podem usar a boina verde, mesmo que mantenham a qualificação aeroterrestre, seja qual for o uniforme que usem e seja qual for a unidade de colocação. Mas há uma excepção… determinada verbalmente.

O primeiro oficial-general paraquedista

Em 1980 o Coronel Paraquedista Heitor Almendra foi promovido a Brigadeiro (Major-General), sendo assim o primeiro paraquedista português a alcançar este posto em funções nestas tropas (*). Comandava então o Corpo de Tropas Paraquedistas da Força Aérea e este facto foi um marco significativo na consolidação desta força. Provava a sua importância no contexto do ramo mas também das Forças Armadas Portuguesas. Foi ainda, estamos certos, um reconhecimento pessoal pelo papel desempenhado por Almendra quer nos derradeiros tempos da presença portuguesa em África quer nos acontecimentos de 25 de Novembro de 1975 quer ainda no levantamento do Corpo de Tropas Paraquedistas. Seguiu-se o Brigadeiro Paraquedista François Martins e depois o Brigadeiro Paraquedista Ferreira Pinto.

Na Força Aérea, o respectivo Regulamento de Uniformes era muito claro em relação ao uso da boina verde, como aliás se mantém hoje em relação à boina azul para os militares da Policia Aérea. Nunca passou pela cabeça de ninguém que o oficial-general paraquedista não pudesse usar a boina verde. Tanto mais que estando desde 1955 o uso da boina ligado à manutenção da qualificação paraquedista e cumprindo o brigadeiro os saltos semestrais como qualquer outro militar paraquedista, era um seu direito.

Exército

O Brigadeiro Ferreira Pinto fez a transição para o Exército e outros oficiais generais se seguiram como comandantes da nova organização, o Comando das Tropas Aerotransportadas e a Brigada Aerotransportada Independente. As designações dos postos mudaram entretanto nas Forças Armadas, agora o Brigadeiro era Major-General. Outros majores-generais assumiram este Comando e além disso mais oficiais ascenderam a oficiais-generais porque agora tinham sido integrados nas suas Armas de origem no Exército e ficaram a desempenhar funções fora do CTAT/BAI como qualquer outro oficial da sua Arma.

Em termos de fardamento continuaram a usar a boina verde, ou porque mantinham a qualificação - executavam os saltos em paraquedas -  ou porque no Exército a partir de 1994 a legislação relativa ao uso da boina verde de 1955 foi revogada. O CEME de então, General Cerqueira Rocha, decidiu “igualar” as “boinas especiais” e determinou que todos os militares com os cursos de paraquedismo, comandos e operações especiais, podiam usar as respectivas boinas, independentemente das unidades onde estivessem colocados. Pior, no caso dos paraquedistas, deixava de ser obrigatório manter a qualificação para usar a boina verde. No Exército não havia esta figura do “manter a qualificação”. Mesmo nas tropas especiais como comandos ou operações especiais, o que o Exército considerava era se tinham o curso e a unidade onde estavam colocados. Nada mais. Não havia nem há qualquer exigência atestada e registada regularmente como o salto em paraquedas; ou no caso da Marinha, os tempos de imersão para os submarinistas e de mergulho para mergulhadores; ou na Força Aérea as horas de voo.

Assim até 2019 os oficiais generais com curso de paraquedismo militar – como qualquer outro oficial, sargento ou praça – usavam a boina verde independentemente da unidade do Exército onde se encontravam colocados.

O último foi o Major-General Carlos Perestrelo – que aliás manteve sempre qualificação paraquedista porque assim o desejava e porque a legislação de 1994 relativa aos militares que até 31 de Dezembro de 1993 serviram no CTP o permite – “Governador Militar da Madeira”, porque Comandante Operacional da Madeira e Comandante da Zona Militar da Madeira, e decorrente destes cargos representante na Região Autónoma quer do do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas quer do Chefe do Estado-Maior do Exército. Promovido a Major-General em 2013 e tendo passado à Reserva em 2019, Carlos Perestrelo foi o último oficial general do Exército com o curso de paraquedismo militar – de 1985 – que usou a boina verde. Agora, mesmo que outro oficial com o curso de paraquedismo seja promovido a brigadeiro-general, não a poderá usar. E porquê?

O RUE de 2109 e o seu impacto nas tropas paraquedistas

A Portaria n.º 345/2019 de 2 de Outubro que aprova o Regulamento de Uniformes do Exército, assinada pelo Ministro da Defesa Nacional, João Titterington Gomes Cravinho, em 19 de Setembro de 2019, veio não só generalizar o uso da boina preta – acabando com a boina castanha – como limitar o uso das boinas verde, vermelha e verde-seco. Isso decorre da alínea d) do Art.º 12.º (Artigos de uniforme), conjugada com o Anexo I (Tipos de uniforme) em cujos Quadros se determina que artigos de uniforme usam com cada uniforme.

Sendo um documento assinado pelo Ministro da Defesa Nacional nele é dada contudo alguma liberdade de acção ao Chefe do Estado-Maior do Exército, e foi fazendo uso dessa prerrogativa que o CEME, José Nunes da Fonseca, ainda em 2019 e bem, determinou em despacho escrito aos militares da Arma de Cavalaria, a manutenção do uso das fitas de boina amarelas e vermelhas que lhes eram tradicionais e não as verde e vermelhas que todos os outros militares que passam a envergar a boina preta usam.  

Dada a confusa escrituração da referida alínea d) Art,º 12.º do RUE (boina), a Brigada de Reacção Rápida, na qual se inserem as Tropas Especiais do Exército – Paraquedistas, Operações Especiais e Comandos – solicitou já em 2020 ao escalão superior, esclarecimentos sobre o uso da boina por estes militares.

Na realidade o articulado «…Os militares com a especialidade de comandos, operações especiais e paraquedista poderão usar a boina respetiva em unidades, forças constituídas e cerimónias específicas das referidas especialidades…», permitia várias interpretações. Desde logo quais eram as unidades das referidas especialidades? Isto porque a BrigRR é composta por vários Regimentos e tem forças operacionais em outros Regimentos; depois de saber quais as unidades importava saber, dado o articulado, se esses militares poderiam usar a boina fora das unidades? SE o militar vai fazer um curso noutra unidade, pode usar a boina? E ainda, quais as cerimónias especificas dessas especialidades? Seria apenas o Dia da Unidade? Ou por exemplo um funeral de um seu militar também seria? Ou ainda outras cerimónias e comemorações?

Em meados de Outubro, com indicação de acção para 18 desse mês às 08H30, o comando do Exército definiu as unidades onde os paraquedistas podem usar a boina verde: Regimento de Paraquedistas, Regimento de Infantaria n.º 10, Regimento de Infantaria n.º15.

Os comandos podem usar a boina vermelha apenas no Regimento de Comandos e as operações especiais a boina verde-seco apenas no Centro de Tropas de Operações Especiais.

Como já se antevia desde 26 de Junho de 2020, data em que o brigadeiro-general Pedro Soares tomou posse, o Comando e Estado-Maior da Brigada de Reacção Rápida não foi considerada “unidade da especialidade” (paraquedista, comando e operações especiais), porque o referido oficial, oriundo dos comandos e que sempre havia usado a boina vermelha, tomou posse envergando a boina preta. Assim os militares paraquedistas, comandos e operações especiais que prestam serviço no Comando da BrigRR, no seu Estado-Maior, Unidade de Apoio, e nas sub-unidades operacionais que dele dependem, aquarteladas nos regimentos na sua dependência directa (Regimento de Artilharia n.º 4 e Regimento de Cavalaria n.º 3), mas também as sub-unidades operacionais aquarteladas noutras unidades (Regimento de Engenharia n.º 1 e Regimento de Artilharia Anti-Aérea n.º 1) não podem usar as respectivas boinas, ou os do Regimento de Infantaria n.º 1 que também integra a BrigRR. 

Assiste-se agora ao antes impensável que é ver paraquedistas qualificados – que cumprem os saltos em paraquedas semestralmente que a lei determina – serem obrigados a usar a boina preta, seja qual for o uniforme ou a situação em que se encontram.

E assim, como o posto mais elevado nas unidades onde se pode usar a boina verde (RParas, RI 10 e RI15) é coronel, mesmo que um oficial paraquedista consiga chegar a oficial-general…tem que usar boina preta, como já acontece com os oficiais generais oriundos dos comandos e operações especiais. Com a “nuance” que os paraquedistas mantêm a qualificação, semestralmente, situação que é única no Exército.

Mudanças discretas…

Mais tarde, como a confusão e a tremenda insatisfação permanecia (e permanece!), em 24 de Novembro, nova ordem verbal do Comando do Exército, chega à BrigRR e o seu Estado-Maior trata de as transmitir. O General José Nunes da Fonseca determinou que os oficiais e sargentos (paraquedistas, operações especiais e comandos) podem fazer uso das respectivas boinas com o uniforme n.º 1 em todas as circunstâncias, desde que estejam colocados no RParas, RI 10 e RI 15.  Note-se que esta determinação contraria o previsto no RUE (Anexo I, QUADRO III – Uniforme N.º 1 - Representação), no qual está previsto que oficiais e sargentos das Tropas Especiais com estes uniformes devem usar boné. Imagino que estás ordens verbais venham a ser objecto de um Despacho formal. 

E, afinal, também por orientação verbal do CEME, há uma excepção para os oficiais generais. Algo ridícula mas uma excepção: quando um oficial-general oriundo das tropas especiais visita uma unidade da sua especialidade, pode usar a sua antiga boina! Ou seja, o general sai da sua unidade de boina preta, chega à porta de armas da unidade “da especialidade” coloca a boina da cor respectiva, faz a visita, volta para o seu quartel no qual para entrar já deve envergar de novo a boina preta. Não é, nunca foi este o simbolismo que uma boina verde merece! 

Soluções

Este Regulamento de Uniformes do Exército, mais cedo que tarde deverá ser revisto. E é simples, basta copiar a legislação que vigorava até 1993, quer no Exército quer na Força Aérea:

Os militares Comandos e Operações Especiais usam as respectivas boinas nas unidades da especialidade, e parece óbvio que o Comando da BrigRR e as suas subunidades operacionais devem ser incluídas nesta classificação;

Os paraquedistas usam a boina verde desde que mantenham a qualificação, independentemente da unidade onde se encontrem. Como é sabido hoje só é autorizado manter a qualificação quem está colocado na BrigRR, logo não vai haver boinas verdes por todo o Exército (**).

 Miguel Silva Machado, 07/12/2020

(*) Em 1975 para desempenhar as funções de Comandante-chefe da Forças Armadas em Angola Adjunto foi graduado em General (Tenente-general), voltando ao seu posto de Tenente-Coronel no mesmo ano ao regressar a Portugal. Martins Videira, primeiro comandante das Tropas Paraquedistas foi promovido a Brigadeiro em 1975 mas já tinha regressado à Arma de origem (Infantaria), tendo depois desempenhado funções no Exército, não regressando às Tropas Paraquedistas. Outros oficiais como Fausto Marques e Rafael Durão foram promovidos a Brigadeiros (e Fausto Marques a General/Tenente-General), depois de Heitor Almendra, mas também depois de regresso às suas Armas no Exército.

(**) Há menos de uma vintena de paraquedistas (oficiais e sargentos) que até 31 de Dezembro de 1993 estavam colocados no CTP e que no Exército, nos termos da lei, mantêm a possibilidade de estando fora da BrigRR, o que acontece com uma meia dúzia, poderem manter a qualificação paraquedista.

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