O ÚLTIMO GENERAL BOINA VERDE?
O ÚLTIMO GENERAL BOINA VERDE?
Um dos efeitos perversos do novo Regulamento de Uniformes do
Exército é este: os generais paraquedistas não podem usar a boina verde, mesmo
que mantenham a qualificação aeroterrestre, seja qual for o uniforme que usem e
seja qual for a unidade de colocação. Mas há uma excepção… determinada
verbalmente.
O primeiro
oficial-general paraquedista
Em 1980 o Coronel Paraquedista Heitor Almendra foi promovido
a Brigadeiro (Major-General), sendo assim o primeiro paraquedista português a
alcançar este posto em funções nestas tropas (*). Comandava então o Corpo de
Tropas Paraquedistas da Força Aérea e este facto foi um marco significativo na
consolidação desta força. Provava a sua importância no contexto do ramo mas
também das Forças Armadas Portuguesas. Foi ainda, estamos certos, um
reconhecimento pessoal pelo papel desempenhado por Almendra quer nos
derradeiros tempos da presença portuguesa em África quer nos acontecimentos de
25 de Novembro de 1975 quer ainda no levantamento do Corpo de Tropas
Paraquedistas. Seguiu-se o Brigadeiro Paraquedista François Martins e depois o
Brigadeiro Paraquedista Ferreira Pinto.
Na Força Aérea, o respectivo Regulamento de Uniformes era
muito claro em relação ao uso da boina verde, como aliás se mantém hoje em
relação à boina azul para os militares da Policia Aérea. Nunca passou pela
cabeça de ninguém que o oficial-general paraquedista não pudesse usar a boina
verde. Tanto mais que estando desde 1955 o uso da boina ligado à manutenção da
qualificação paraquedista e cumprindo o brigadeiro os saltos semestrais como
qualquer outro militar paraquedista, era um seu direito.
Exército
O Brigadeiro Ferreira Pinto fez a transição para o Exército e
outros oficiais generais se seguiram como comandantes da nova organização, o
Comando das Tropas Aerotransportadas e a Brigada Aerotransportada Independente.
As designações dos postos mudaram entretanto nas Forças Armadas, agora o Brigadeiro
era Major-General. Outros majores-generais assumiram este Comando e além
disso mais oficiais ascenderam a oficiais-generais porque agora tinham sido
integrados nas suas Armas de origem no Exército e ficaram a desempenhar funções
fora do CTAT/BAI como qualquer outro oficial da sua Arma.
Em termos de fardamento continuaram a usar a boina verde, ou
porque mantinham a qualificação - executavam os saltos em paraquedas - ou porque no Exército a partir de 1994 a
legislação relativa ao uso da boina verde de 1955 foi revogada. O CEME de
então, General Cerqueira Rocha, decidiu “igualar” as “boinas especiais” e determinou
que todos os militares com os cursos de paraquedismo, comandos e operações
especiais, podiam usar as respectivas boinas, independentemente das unidades
onde estivessem colocados. Pior, no caso dos paraquedistas, deixava de ser
obrigatório manter a qualificação para usar a boina verde. No Exército não
havia esta figura do “manter a qualificação”. Mesmo nas tropas especiais como comandos
ou operações especiais, o que o Exército considerava era se tinham o curso e a
unidade onde estavam colocados. Nada mais. Não havia nem há qualquer exigência
atestada e registada regularmente como o salto em paraquedas; ou no caso da
Marinha, os tempos de imersão para os submarinistas e de mergulho para
mergulhadores; ou na Força Aérea as horas de voo.
Assim até 2019 os oficiais generais com curso de paraquedismo
militar – como qualquer outro oficial, sargento ou praça – usavam a boina verde
independentemente da unidade do Exército onde se encontravam colocados.
O último foi o Major-General Carlos Perestrelo – que aliás manteve sempre qualificação paraquedista porque assim o desejava e porque a legislação de 1994 relativa aos militares que até 31 de Dezembro de 1993 serviram no CTP o permite – “Governador Militar da Madeira”, porque Comandante Operacional da Madeira e Comandante da Zona Militar da Madeira, e decorrente destes cargos representante na Região Autónoma quer do do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas quer do Chefe do Estado-Maior do Exército. Promovido a Major-General em 2013 e tendo passado à Reserva em 2019, Carlos Perestrelo foi o último oficial general do Exército com o curso de paraquedismo militar – de 1985 – que usou a boina verde. Agora, mesmo que outro oficial com o curso de paraquedismo seja promovido a brigadeiro-general, não a poderá usar. E porquê?
O RUE de 2109 e o seu
impacto nas tropas paraquedistas
A Portaria n.º 345/2019 de 2 de Outubro que aprova o
Regulamento de Uniformes do Exército, assinada pelo Ministro da Defesa
Nacional, João Titterington Gomes Cravinho, em 19 de Setembro de 2019, veio não
só generalizar o uso da boina preta – acabando com a boina castanha – como
limitar o uso das boinas verde, vermelha e verde-seco. Isso decorre da alínea
d) do Art.º 12.º (Artigos de uniforme), conjugada com o Anexo I (Tipos de
uniforme) em cujos Quadros se determina que artigos de uniforme usam com cada
uniforme.
Sendo um documento assinado pelo Ministro da Defesa Nacional
nele é dada contudo alguma liberdade de acção ao Chefe do Estado-Maior do
Exército, e foi fazendo uso dessa prerrogativa que o CEME, José Nunes da Fonseca, ainda em 2019 e bem,
determinou em despacho escrito aos militares da Arma de Cavalaria, a manutenção
do uso das fitas de boina amarelas e vermelhas que lhes eram tradicionais e não
as verde e vermelhas que todos os outros militares que passam a envergar a
boina preta usam.
Dada a confusa escrituração da referida alínea d) Art,º 12.º
do RUE (boina), a Brigada de Reacção Rápida, na qual se inserem as Tropas
Especiais do Exército – Paraquedistas, Operações Especiais e Comandos –
solicitou já em 2020 ao escalão superior, esclarecimentos sobre o uso da boina
por estes militares.
Na realidade o articulado «…Os militares com a especialidade de comandos, operações especiais e
paraquedista poderão usar a boina respetiva em unidades, forças constituídas e
cerimónias específicas das referidas especialidades…», permitia várias
interpretações. Desde logo quais eram as unidades das referidas
especialidades? Isto porque a BrigRR é composta por vários Regimentos e tem forças
operacionais em outros Regimentos; depois de saber quais as unidades importava
saber, dado o articulado, se esses militares poderiam usar a boina fora das
unidades? SE o militar vai fazer um curso noutra unidade, pode usar a boina? E ainda, quais as cerimónias especificas dessas especialidades? Seria
apenas o Dia da Unidade? Ou por exemplo um funeral de um seu militar também
seria? Ou ainda outras cerimónias e comemorações?
Em meados de Outubro, com indicação de acção para 18 desse
mês às 08H30, o comando do Exército definiu as unidades onde os paraquedistas
podem usar a boina verde: Regimento de Paraquedistas, Regimento de Infantaria
n.º 10, Regimento de Infantaria n.º15.
Os comandos podem usar a boina vermelha apenas no Regimento
de Comandos e as operações especiais a boina verde-seco apenas no Centro de
Tropas de Operações Especiais.
Como já se antevia desde 26 de Junho de 2020, data em que o
brigadeiro-general Pedro Soares tomou posse, o Comando e Estado-Maior da
Brigada de Reacção Rápida não foi considerada “unidade da especialidade”
(paraquedista, comando e operações especiais), porque o referido oficial,
oriundo dos comandos e que sempre havia usado a boina vermelha, tomou posse
envergando a boina preta. Assim os militares paraquedistas, comandos e
operações especiais que prestam serviço no Comando da BrigRR, no seu
Estado-Maior, Unidade de Apoio, e nas sub-unidades operacionais que
dele dependem, aquarteladas nos regimentos na sua dependência directa
(Regimento de Artilharia n.º 4 e Regimento de Cavalaria n.º 3), mas também as
sub-unidades operacionais aquarteladas noutras unidades (Regimento de
Engenharia n.º 1 e Regimento de Artilharia Anti-Aérea n.º 1) não podem usar as
respectivas boinas, ou os do Regimento de Infantaria n.º 1 que também integra a BrigRR.
Assiste-se agora ao antes impensável que é ver paraquedistas
qualificados – que cumprem os saltos em paraquedas semestralmente que a lei
determina – serem obrigados a usar a boina preta, seja qual for o uniforme ou a
situação em que se encontram.
E assim, como o posto mais elevado nas unidades onde se pode
usar a boina verde (RParas, RI 10 e RI15) é coronel, mesmo que um oficial
paraquedista consiga chegar a oficial-general…tem que usar boina preta, como já
acontece com os oficiais generais oriundos dos comandos e operações especiais.
Com a “nuance” que os paraquedistas mantêm a qualificação, semestralmente,
situação que é única no Exército.
Mudanças discretas…
Mais tarde, como a confusão e a tremenda insatisfação permanecia
(e permanece!), em 24 de Novembro, nova ordem verbal do Comando do Exército,
chega à BrigRR e o seu Estado-Maior trata de as transmitir. O General José Nunes da Fonseca determinou que os oficiais e sargentos
(paraquedistas, operações especiais e comandos) podem fazer uso das respectivas
boinas com o uniforme n.º 1 em todas as circunstâncias, desde que estejam colocados
no RParas, RI 10 e RI 15. Note-se que
esta determinação contraria o previsto no RUE (Anexo I, QUADRO III – Uniforme
N.º 1 - Representação), no qual está previsto que oficiais e sargentos das
Tropas Especiais com estes uniformes devem usar boné. Imagino que estás ordens verbais venham a ser objecto de um Despacho formal.
E, afinal, também por orientação verbal do CEME, há uma excepção
para os oficiais generais. Algo ridícula mas uma excepção: quando
um oficial-general oriundo das tropas especiais visita uma unidade da sua especialidade,
pode usar a sua antiga boina! Ou seja, o general sai da sua unidade de boina
preta, chega à porta de armas da unidade “da especialidade” coloca a boina da
cor respectiva, faz a visita, volta para o seu quartel no qual para entrar já
deve envergar de novo a boina preta.
Soluções
Este Regulamento de Uniformes do Exército, mais cedo que
tarde deverá ser revisto. E é simples, basta copiar a legislação que vigorava
até 1993, quer no Exército quer na Força Aérea:
Os militares Comandos e Operações Especiais usam as
respectivas boinas nas unidades da especialidade, e parece óbvio que o Comando
da BrigRR e as suas subunidades operacionais devem ser incluídas nesta
classificação;
Os paraquedistas usam a boina verde desde que mantenham a
qualificação, independentemente da unidade onde se encontrem. Como é sabido
hoje só é autorizado manter a qualificação quem está colocado na BrigRR, logo
não vai haver boinas verdes por todo o Exército (**).
(*) Em 1975 para desempenhar as funções de Comandante-chefe
da Forças Armadas em Angola Adjunto foi graduado em General (Tenente-general),
voltando ao seu posto de Tenente-Coronel no mesmo ano ao regressar a Portugal. Martins
Videira, primeiro comandante das Tropas Paraquedistas foi promovido
a Brigadeiro em 1975 mas já tinha regressado à Arma de origem (Infantaria),
tendo depois desempenhado funções no Exército, não regressando às Tropas
Paraquedistas. Outros oficiais como Fausto Marques e Rafael Durão foram
promovidos a Brigadeiros (e Fausto Marques a General/Tenente-General), depois de Heitor Almendra, mas também depois de regresso às suas Armas no Exército.
(**) Há menos de uma vintena de paraquedistas (oficiais e
sargentos) que até 31 de Dezembro de 1993 estavam colocados no CTP e que no Exército,
nos termos da lei, mantêm a possibilidade de estando fora da BrigRR, o que
acontece com uma meia dúzia, poderem manter a qualificação paraquedista.
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