O EXÉRCITO E "AS BOINAS", SESSENTA ANOS DE RELAÇÃO DIFÍCIL
No Exército Português a
relação com as boinas foi sempre difícil. Não vou fazer aqui esse historial –
fica para mais tarde – mas é um percurso de avanços e recuos, com boinas a
serem usadas pelas unidades por instruções provisórias, despachos internos,
depois outras sem autorização superior, depois proibidas, boinas a serem
distribuídas de uma cor porque não havia outra disponível, boinas a serem
finalmente autorizadas pelo Ramo em despachos internos mas não previstas no
Regulamento de Uniformes, documento legal que o Exército (acreditem) não
actualizou entre 1948 e 2011, uma profusão sem fim de insígnias de boina,
enfim, uma história para contar.
Finalmente em 2011 – 51 anos
depois do ramo ter introduzido uma primeira boina castanha nos Caçadores
Especiais – uma Portaria do Ministro da Defesa Nacional aprova o
"Regulamento de Uniformes dos Militares do Exército" que prevê o uso
de boinas. Um Despacho do Chefe do Estado-Maior do Exército desse ano, regula
depois o uso da boina.
Em 2019, nova Portaria do Ministro da Defesa Nacional aprova o
"Regulamento de Uniformes do Exército" (o actual que está a ser
implementado).
No caso das Tropas
Paraquedistas, a boina verde – a primeira usada nas Forças Armadas Portuguesas
– foi criada por um Decreto-Lei, assinado pelo Presidente da República,
Presidente do Concelho de Ministros, Ministro da Defesa Nacional e Ministro das
Finanças, e neste documento legal ficou desde logo previsto «…O barrete n.º 1 e
o barrete de campanha serão substituídos pela boina verde…».
Para não haver a mínima
dúvida sobre a cor da boina, em 1964 o Secretário de Estado da Aeronáutica
publica uma Portaria que fixa a côr «verde caçador pára-quedista» (ver foto).
Até 31 de Dezembro de 1993, durante
38 anos portanto, a boina verde foi regulada por um Decreto-Lei e uma Portaria.
Era uma boina que de acordo com a legislação se perdia no caso do militar não
cumprir o treino mínimo de saltos em paraquedas e mesmo em outras situações.
Não era uma boina de unidade, era uma boina de especialidade que anualmente
tinha que ser mantida senão era retirada. E foi muitas vezes. A boina verde
sempre foi o símbolo maior dos militares paraquedistas portugueses.
O Exército nunca teve nada
assim. Não quis ter em 1994 e pelos vistos agora em 2019, por desconhecimento
da história e da legislação ou intencionalmente, também não quer.
Nos anos 90 do século XX,
quando decorria o processo de Transferência das Tropas Paraquedistas da Força
Aérea para o Exército, estava o ramo terrestre novamente empenhado numa guerra
às boinas, o seu uso tinha sido muito restrito, substituídas por “bivaques”.
Durou pouco esta “moda”, em breve – novamente tudo por despachos internos –
voltariam às boinas ficando os “bivaques” para cadetes da Academia Militar,
Alunos da Escola de Sargentos do Exército e militares RV/RC em formação.
Em 1994 com a transferência
das Tropas Pára-quedistas da Força Aérea para o Exército, o uso da boina verde,
até aqui um exclusivo de quem tinha concluído o curso de pára-quedismo militar
e depois mantinha anualmente um determinado número de saltos em pára-quedas,
teve uma mudança drástica: passou a ser para todos os que tinham o curso de
pára-quedismo independentemente de saltarem ou não depois disso. Até 2011 a boina
verde passou a ser assim mais uma do Exército regulada por despacho do CEME.
2019. Justiça seja feita,
apesar de não se voltar ao que seria correcto – como até 1993 – com a
publicação da Portaria de 2019 em conjugação com uma alteração nos cursos da especialidade
no Regimento de Paraquedistas, alguma coisa melhorou: só recebe boina verde que
faz o Curso de Paraquedista e estes são os militares destinados às unidades
paraquedistas da Brigada de Reação Rápida. Todos os outros militares do
Exército ou de outros ramos fazem um Curso de Paraquedismo e só recebem o
“brevet”. Só pode usar boina verde que está nas unidades paraquedistas.
Acaba-se assim com a
proliferação de boinas verdes por todo o Exército. Foi uma boa medida mesmo que
ainda falte definir concretamente quais são as “unidades paraquedistas”,
aspecto que está a causar alguma confusão no Ramo por via do modo como se
definiu o uso das boinas das Tropas Especiais (verde incluída) neste
Regulamento de Uniformes de 2019.
Em 2020, com as restrições
que o actual RUE coloca no uso da boina verde, novamente se entrou numa fase de
conflito interno de sectores do Ramo com as suas boinas.
Miguel Silva Machado, 18JUL2020
Imagem: a
Portaria que fixa o “verde caçador pára-quedista” no artigo “Tropas
Pára-quedistas Portuguesas, 35.º Aniversário” de Miguel Silva Machado e António
Sucena do Carmo in “Boina Verde” n.º 158 – JUL/SET 1991.
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