NUVENS NEGRAS SOBRE AS TROPAS PARAQUEDISTAS

 


O Major-General Paraquedista Carlos Perestrelo, atualmente na Reserva, foi o último oficial general do Exército oriundo da especialidade Pára-quedista da Força Aérea Portuguesa que comandou a Brigada de Reação Rápida (2014-2017). Impõe aqui uma condecoração ao Sargento-Mor Pára-quedista Sá Canas, o sargento mais antigo da Arma Paraquedista do Exército, quadro oriundo da Força Aérea Portuguesa que se encontra em extinção progressiva e tem atualmente uma vintena de militares (foto Alfredo Serrano Rosa).


Nuvens negras sobre as Tropas Paraquedistas

O próximo cartaz de recrutamento do Exército Português pode bem ser: “vem até nós, salta em paraquedas, orgulha-te da tua boina preta”.

As últimas ordens verbais do Comando do ramo terrestre sobre a questão das boinas são um autêntico manual de “desrecrutamento” para as suas Tropas Especiais (Paraquedistas, Comandos e Operações Especiais). A redução de efetivos que cada vez mais dificulta a constituição de Forças Nacionais Destacadas para cenários de risco elevado vai acelerar em paralelo com a desmotivação.

A questão das boinas

No ramo terrestre não se conseguia que o Regulamento de Uniformes –aprovado pelo Ministro da Defesa Nacional João Titterington Gomes Cravinho, Portaria n.º 345/2019 de 2 de Outubro – fosse interpretado nas unidades, tal foi a sua dúbia redação e a perplexidade com que foi lido nos quartéis das Tropas Especiais.

Por isso, coisa rara – as ordens devem ser claras – foram solicitados pedidos de esclarecimento, de “baixo para cima” através da cadeia de comando. Ordens verbais, emanadas pelo Comando do Exército via Comando das Forças Terrestres, chegaram às unidades de elite do Exército esta semana que terminou, um ano e uns dias depois de publicado o malfadado Regulamento.

Foi finalmente clarificado quais são “as unidades da especialidade” na Brigada de Reação Rápida e, imagine-se, as circunstâncias em que contra o RUE, sim desrespeitando o Regulamento, se podem continuar a usar as boinas de cor verde, vermelha e verde-seco. 

Esta clarificação era necessária porque o RUE refere «…Os militares com a especialidade de comandos, operações especiais e paraquedista poderão usar a boina respetiva em unidades, forças constituídas e cerimónias específicas das referidas especialidades…». Não havendo nada que diga no Exército o que são “unidades da especialidade”…havia que concretizar.

Assim, em Tancos, no Comando e Estado-Maior da BrigRR e na Unidade de Apoio, os militares apenas podem usar a boina preta, seja qual for a especialidade do militar; mesmo os pára-quedistas que mantêm a qualificação pára-quedista, isto é, saltam em pára-quedas, têm que usar a boina preta! Oficiais, sargentos e praças Comandos e Operações Especiais ali colocados, passam também a usar boina preta.

Para quem sabe o que foi desde 1995 o pára-quedismo militar em Portugal e a sua simbologia isto é qualquer coisa de absolutamente inédito e cruel. Recorda-se que o uso da boina verde esteve sempre ligado à execução de saltos em paraquedas.

Os Regimento de Paraquedistas (Tancos), Regimento de Infantaria n.º 10 (São Jacinto) e Regimento de Infantaria n.º 15 (Tomar) são também considerados unidades da especialidade “paraquedista”, os militares habilitados usarão a boina verde ou a preta com o camuflado;

O Regimento de Comandos (Serra da Carregueira) é considerado unidade da especialidade “comandos” os militares habilitados usarão a boina vermelha ou preta com o camuflado;

O Centro de Tropas de Operações Especiais (Lamego) é considerado unidade da especialidade “operações especiais", os militares habilitados usarão a boina verde-seco ou preta com o camuflado.

Os militares paraquedistas que prestam serviço nas outras unidades da BrigRR e mesmo na sua componente operacional (sub-unidades de artilharia e artilharia anti-aérea, reconhecimento, engenharia e cavalaria), que até agora podiam legitimamente usar a boina verde, deixam de a poder usar, mesmo que realizem os saltos em pára-quedas. Isto é uma medida que afeta oficiais, sargentos e praças. Como é fácil prever, a desmotivação para servir o Exército que já decorria de outros factores, só pode aumentar: saltar e não poder usar a boina verde? Incrível!  

Parte importante do efetivo (oficiais, sargentos e praças) da Brigada de Reação Rápida, mesmo saltando em pára-quedas, ou sendo habilitado com os cursos de comandos ou operações especiais, passa assim a usar a boina preta com o camuflado ou o boné com o uniforme n.º 1.

Com o uniforme n.º 1, ao contrário do previsto no RUE, os oficiais e sargentos paraquedistas, comandos e operações especiais, segundo ordens verbais, poderão em determinadas situações – ainda não definitivamente clarificadas – usar as boinas respectivas.

Isto já aconteceu em cerimónias como também aconteceu, contra o Regulamento mas autorizado verbalmente pelo Comando do Exército, o uso destas boinas a título excepcional, por umas horas, para visitas a unidades ou forças, por parte de militares que detinham as qualificações de pára-quedistas, comandos ou operações especiais.

A Arma de Cavalaria está fora da maioria destes condicionamentos, conseguiu um estatuto único no Exército, decorrente do despacho do CEME de 27NOV2019, menos de 2 meses depois de publicado o RUE, quando ninguém ainda tinha percebido o que aí vinha! Mantém ainda o uso de botas de montar e esporas com diferentes uniformes fora da atividade hípica, ou seja, para uso em cerimónias, reuniões ou serviço diário, dentro e fora das unidades militares, sempre que o militar o deseje.

Uma tristeza que vai levar os oficiais e sargentos dos Quadros Permanentes das Forças Especiais que o podem fazer a deixar o serviço ativo, e desmotivar futuros candidatos de todos os postos. Para os praças que já pouco tinham que os pudesse motivar, é fácil perceber o resultado destas medidas.  

Quem está no ativo tem que continuar a trabalhar, mesmo que revoltado. Na prática depois da ordem verbal imperativa para execução a partir de 18NOV2020, muitos dos paraquedistas pura e simplesmente recusam usar a boina preta e usam, com o uniforme camuflado, o também regulamentar barrete camuflado.  

Incrível no contexto atual das Forças Armadas e do Exército em especial, o ramo mais afetado pela ausência de voluntários, a falta de respeito pela história e pelas pessoas – o homem será sempre o principal ativo na retórica discursiva mas raramente na prática do dia-a-dia – quando o espírito de corpo dos “primeiros a avançar” devia ser acarinhado e aprofundado. 

Na República Centro Africana, como antes no Afeganistão, Timor, Kosovo ou Bósnia, pede-se que sacrifiquem tudo, paguem inclusive o preço de sangue se necessário for em prol daqueles povos e da imagem de Portugal, das Forças Armadas e do Exército, cá...é isto.

Esperança no futuro ainda é possível!

O General José Nunes da Fonseca vai ficar na história do Exército como outros generais ficaram e nem sempre pelos melhores motivos. Recordo nos anos 90 o General Cerqueira Rocha que colocou o Exército de bivaque, e o seu sucessor logo alterou essa medida, voltando-se às boinas; recordo também depois em 2006 uma profunda reforma do Exército imposta pelo General Valença Pinto, mal saiu do cargo o seu sucessor tratou de alterar o mais que lhe foi possível.

Acredito no entanto que há esperança porque, caros leitores, especialmente os que não conheceram ou conhecem o ramo terrestre, não há apenas “um” Exército em Portugal!

Como dizia um General deste ramo que bem o conhecia, na guerra e na paz, há um Exército que consome recursos e ocupa o tempo em planos e projetos perfeitos mas megalómanos, sempre irrealizáveis porque pensados por quem está desligado das realidades mas felizmente há também um outro Exército, pragmático, mais inteligente, que andou no terreno, sabe ouvir e decide com a sensatez que o ramo merece e Portugal comporta.

Recordo entre outros bons exemplos possíveis, em 1997, o General Martins Barrento que determinou o regresso à designação “Pára-quedistas” abandonando-se a “Aerotransportados” imposta em 1994; o General Silva Viegas que reativou uma unidade de “Comandos” em 2001 depois da sua extinção em 1993; ou o General Carlos Jerónimo que em 2016 não hesitou perante uma interferência do poder político na sua área de competência e pediu a exoneração do cargo.

Há esperança portanto!

O artigo já vai longo mas não posso terminar sem transcrever o que o General do Exército Gabriel do Espirito Santo, CEME e CEMGFA, escreveu sobre as Tropas Paraquedistas que bem conheceu, na guerra e na paz:

«…as suas acções de combate nos apercebemos serem possíveis porque se cultivava uma mística sem dúvidas, se praticava um treino físico e táctico diário, se desenvolviam missões bem planeadas, assentes numa doutrina de actuação que se baseava em lições aprendidas na dor e no sacrifício e onde heróis nasciam não por vontade, mas pela solidariedade nas crenças e convicções daqueles que usavam a boina verde…»   

Os Paraquedistas enfrentaram crises muito graves na história, estiveram no limiar da extinção em 1975, mas o ambiente onde então se inseriam foi favorável. Agora estão inseridos num ambiente que estranhamente se tornou cada vez mais adverso depois de os desejar – o Exército – e em vários aspectos a luta para manter a sua identidade é diária. São tempos muito exigentes para os paraquedistas que estão no ativo, exige-se deles uma capacidade de resistência como nunca antes foi necessário.

Mesmo perante a indiferença do Comandante Supremo das Forças Armadas, dos partidos políticos ou da Comissão de Defesa Nacional da Assembleia da República e o silêncio do Ministro da Defesa Nacional - ele sim pode resolver o problema, a Portaria do RUE tem a sua assinatura -  a realidade é que o atual CEME deixará o cargo mais ano menos ano e a razão da força será certamente substituída pela força da razão.

Miguel Silva Machado, 20OUT2020

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